Carolina Grando, de 25 anos, é uma psicóloga feminista que estuda games. Durante a faculdade na PUC-SP, desenvolveu uma pesquisa junto à professora Ivelise Fortim sobre o sexismo no universo dos jogos de Massive Multiplayer Online, em que várias pessoas competem e interagem ao mesmo tempo.
“Supergirl” ganhou sua primeira série e “Mulher-Maravilha” vai aparecer pela primeira vez no cinema. Mas não é só isso. Há duas vilãs no aguardado “Esquadrão Suicida” e polêmicas envolvendo o sexismo no mundo dos super-heróis e super-heroínas. O G1publica as opinões de quatro mulheres que se divertem e trabalham com esse universo.
“Eu e boa parte de minhas amigas sempre jogamos videogames e passávamos por situações bem desagradáveis de vez em quando”, conta. “Muitas meninas ficam escondidas porque não se enxergam nessa comunidade que se apresenta como majoritariamente masculina. Elas jogam, mas não participam de fóruns, de comunidades no Facebook. Muitas meninas burlam cadastros e se registram em jogos online como homens, para não receberem solicitações de romance indesejadas.”
Por que precisava estar nua?
Carolina diz que seu primeiro incômodo com o sexismo foi na infância. “Eu ficava chateada de apenas ter uma personagem menina em diversos jogos, como ‘Streets of Rage’, porque eu e minha irmã tínhamos de brigar para ver quem jogaria com ela.”
“Mas só vi algo estranho quando compramos super animadas um dos jogos ‘Tomb Raider’. Nós amávamos a Lara Croft! Era a nossa heroína! Passávamos as férias jogando com primas e amigas! Mas quando abrimos o encarte nos deparamos com uma foto dela nua. Eu era nova, tinha dez anos. Não conseguia entender por que ela precisava estar nua.”
“Depois disso, foi o jogo ‘Dead or Alive’. Quando as personagens pulavam, seus peitos gigantescos flutuavam de maneira absurda, balançavam sem parar. Eu entendi que as personagens femininas dos games não estavam ali para que eu me sentisse representada. Elas estavam ali para que os homens as olhassem”, completa.
Webcomics e HQs independentes
Leitora de quadrinhos com protagonistas mulheres – como “Rat Queens”, “Sex Criminals”, “Saga” e “Lumberjanes” – Carolina acredita que está havendo um avanço, mesmo que lento, contra o sexismo. “A nova Batgirl, a nova Miss Marvel – elas são feitas mais para que meninas e mulheres se identifiquem com elas do que para o deleite do olhar masculino. Mas toda luta por mudança social é lenta, enfrenta resistências, às vezes dá passos pra trás, às vezes consegue avançar… É um processo.”
Carolina também faz questão de lembrar que quadrinhos são muito mais do que Marvel e DC. “Temos toneladas de boas histórias sendo contadas nessa mídia. As histórias que tenho lido são cheias de personagens femininas únicas e interessantes. Não podemos esquecê-las só porque não estão vestindo uma capa e inseridas em 70 multiversos diferentes”, afirma.
Ela cita como exemplo mulheres que produzem quadrinhos fora da indústria mainstream. “As webcomics deram espaço para pessoas que antes não tinham voz se expressarem, contarem novas histórias para novos públicos. ‘Nimona’, da Noelle Stevenson, não estava em editora nenhuma e nem por isso teve dificuldades em conquistar fãs fiéis”, diz.
“Além de lutarmos pela inserção das mulheres na indústria mainstream, valorizemos e lutemos pelas mulheres independentes. Que não deixemos de reconhecê-las como autoras e como parte da indústria e cultura de quadrinhos só porque não estão impressas.”
Nos games, Carolina aponta como exemplos de protagonistas femininas o brasileiro Tóren, e o Child of Light, do braço independente da Ubisoft.
“Também precisamos pensar na representatividade de pessoas negras, de pessoas queer. Os jogos, até hoje, tem falado apenas de um grupo muito pequeno de pessoas, com raras exceções. Há muito a ampliar. Me incomoda um pouco que abordamos a questão do gênero como se fosse o único problema de representação, como se fosse a única comunidade excluída – mas não é. E se esquecermos isso, nosso avanço é torto.”