Envolvido em menos de dez anos nos dois maiores escândalos de corrupção desde o fim da Ditadura Militar, o PT atravessa o pior momento de sua história numa espécie de deserto onde vê secar o apoio popular que lhe garantiu a vitória nas últimas quatro eleições presidenciais.
Passado o mensalão e iniciadas as investigações da Operação Lava Jato que apura o envolvimento de políticos no esquema de corrupção montado na Petrobras, o PT viu e ainda vê alguns de seus principais símbolos sendo presos, como José Dirceu e outros, como a senadora Marta Suplicy, abandonar a legenda.
Para complicar ainda mais o cenário, o partido sofre os efeitos da impopularidade do governo Dilma Rousseff, mergulhado por sua vez numa crise econômica sem precedentes e paralisado pelo impasse político que ameaça derreter sua base de apoio no Congresso.
Parlamentares de vários partidos, inclusive do PT, admitem que, embora seja cedo para cravar seu encolhimento a partir das eleições municipais do ano que vem, ele nunca esteve tão vulnerável e sob risco real de perder poder (o partido obteve no total 17 milhões de votos no último pleito para prefeito em 2012 quando venceu em 635 cidades, – a principal delas, São Paulo – 77 a mais que em 2006).
Fragilidade a ponto de ninguém dentro dele negar o que já se considera uma obviedade, como o deputado Henrique Fontana (PT-RS), para quem o PT vive o auge da impopularidade não só por culpa dele mesmo mas também por conta da situação do governo.
Para ele, o PT precisa ser realista e reconhecer erros. O deputado admite que a impopularidade do governo e do partido não teriam chegado aonde chegou se equívocos importantes não tivessem sido cometidos.
— O que está em jogo agora, na minha opinião, é como superar a crise que o governo vive. Porque se o governo não se levantar para uma posição melhor do que a atual não há como recuperar o PT. O partido está alavancado no governo. Não adianta discutir soluções para o PT se o governo for à bancarrota. O PT precisa se empenhar em salvar o governo e recuperar popularidade.
Ex-líder de bancada e deputado influente nas decisões do partido na Câmara pela sua habilidade de articulação, Paulo Teixeira (PT-SP) concorda que o partido e o governo Dilma estão vinculados na percepção da opinião pública.
Teixeira avalia que por isso é natural que ambos dividam sucessos e fracassos. Dificuldades da presidente na condução do País influenciam a popularidade do partido, acredita. O deputado acha que a superação da crise ajudará o PT mas ele terá de caminhar com ou sem isso.
— Ao mesmo tempo em que depende da popularidade do governo, o PT tem uma história que é só sua. Parte da história do PT precisa ser escrita por nós mesmos. Não dá para o PT ficar atrelado ao governo totalmente. O PT precisa admitir e corrigir seus erros independente do que acontecerá com o governo.
Ex-governador do Rio Grande do Sul, quando foi chefe da então secretária de Minas e Energia, Dilma Rousseff, Olívio Dutra faz um raciocínio contrário aos deputados na Câmara. Para ele, é o governo que carrega o ônus pelos erros do partido. Dutra admite que o PT feriu o patrimônio ético e moral de que dispunha e com isso manchou o governo.
— Por conta das atitudes do PT, a presidenta Dilma o carrega como uma mala sem alça e sem rodinhas nas costas.
Segundo o ex-governador, o partido deve desculpas à opinião pública e precisa retomar o que chamou de seus princípios fundantes, ou seja, os valores que o teriam norteado em 1980.
Segundo o deputado Domingos Sávio (PSDB-MG), que participou em Divinópolis (MG) da fundação do partido naquele ano, uma eventual admissão de erros não o levará de volta aos princípios mencionados por Olívio Dutra.
— O PT nasceu sob o lema de que “os fins justificam os meios”. O PT institucionalizou a corrupção como forma de manutenção do poder e por isso foi coerente com seus objetivos, alcançáveis a qualquer preço.
Sávio acredita que a população se deu conta, 35 anos depois do PT fundado, o que é de fato o partido.
— Foram precisos os escândalos e a falência do governo Dilma para que isso se revelasse de forma inconteste. Mas para mim, que conhece o PT desde sua fundação, o que acontece agora não surpreende.
Churchill
Oriundo de um estado, o Paraná, em que o PT é uma das agremiações mais rejeitadas no País (em 2014, Aécio Neves, do PSDB, obteve lá mais de 60% dos votos contra a então candidata do PT, Dilma Rousseff), Alex Canziani (PTB-PR) é mais cauteloso ao lembrar que, como dizia o líder britânico na Segunda Guerra Mundial, Winston Churchill, na guerra a pessoa só pode ser morta uma vez, mas na política, diversas vezes.
— O PT pode renascer porque a percepção popular varia de acordo com as circunstâncias econômicas. O partido vive um péssimo momento porque a economia vai mal, a inflação é alta, as perspectivas de emprego são baixas e a crise chegou ao bolso do trabalhador que sempre o apoiou.
Para Canziani, a corrupção tem menos peso que a economia na avaliação popular embora piore as coisas para o partido da presidente tornando o ambiente favorável para contestações como a que prega o impedimento da petista como solução institucional para o Brasil.
A corrupção, a ineficiência da gestão e o caos econômico seriam complementares, na observação de um antigo inimigo político do PT, o veterano senador cearense Tasso Jereissati (PSDB). Para ele, as dificuldades do adversário são decorrentes do aparelhamento do Estado e da decisão de manter-se no Poder na base da compra de votos e na institucionalização da corrupção como método de sobrevivência.
— O PT implementou um processo de institucionalização da corrupção em todas as áreas do governo quase sem exceções. O PT apodreceu o Estado brasileiro e hoje perdeu qualquer credibilidade e confiança da população.
Tasso também critica a incompetência de gestão do partido que passa pelo aparelhamento do Estado.
— Colocaram pessoas sem qualquer competência e afinidade com os reais problemas brasileiros em vários ministérios e estatais. E quanto maior o Estado melhor para aparelhá-lo com a turma. O PT tornou o Estado gigante, caríssimo, ineficiente e incompetente. O resultado é essa aversão que as pessoas têm pelo partido hoje. À corrupção se juntou a gestão incompetente e aparelhada.
O senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), conhecido como um dos principais críticos da política externa petista nos últimos anos, vê agora chegar ao fim uma estratégia de apropriação indevida do Estado, feita pelo PT, para manter-se no Poder. Para ele, os ideais que estiverem presentes na fundação da legenda se perderam nesse projeto de obter a hegemonia finalmente colocada sob exame crítico da sociedade em 2015.
O partido está agora pressionado pelos ajustes fiscais que penalizam o trabalhador a ponto de muitos deputados petistas terem se recusado a votar em favor de medidas do governo consideradas um tiro no próprio pé da sigla. Na avaliação dos senadores, o governo alimenta a impopularidade do PT que, por sua vez, alimenta os problemas do governo.
A prisão de líderes do partido, como José Genoíno e José Dirceu e a saída da senadora Marta Suplicy, espécie de símbolo da ascensão petista, são algumas marcas da era petista que agora é discretamente defendida por pessoas da própria sigla. É como se os problemas estivessem concentrados no governo e o PT não tivesse nada a ver com eles, avaliam.
Medéia
Para Érika Kokay (PT-DF), o PT busca agora decifrar o que está acontecendo no Brasil por meio do diálogo com os movimentos sociais que sempre sustentaram suas bandeiras nas ruas. Segundo ela, a nova bandeira do partido é a defesa da Democracia.
— O PT está empenhado em impedir que haja golpes. Impeachment sem lastro legal é golpe.
Na opinião da deputada, o sentimento anti-PT e a baixa popularidade da presidente Dilma são passageiros. Ela lembra que já houve quedas de popularidade no primeiro mandato da presidente que foram superadas e ela obteve a reeleição. Para ela Churchill tem razão: a morte na política não é definitiva.
— Nesse momento o governo não procura os movimentos sociais para ganhar respaldo político. Quer dialogar com o conjunto da sociedade que não é irresponsável. O governo e o PT têm hoje uma oposição que age como Medéia, da mitologia grega. Ao ser traída pelo marido assassinou os próprios filhos para puni-lo. Querem punir o País na perspectiva de tirar a presidente Dilma do seu cargo e seu partido com ela.
Domingos Sávio (PSDB-MG) contesta. Para ele, o PT busca o apoio dos movimentos sociais que alimentou e aparelhou e agora cobra fidelidade. Mas o deputado concorda que a tragédia grega talvez explique melhor o que vive o PT.