Após fiscalizar 16 municípios alagoanos, o Ministério Público de Contas apresentou representação ao Tribunal de Contas do Estado de Alagoas contra todos os 16 prefeitos em virtude de diversas e graves ilegalidades na gestão e na execução da despesa com pessoal dos servidores públicos municipais.
Entre as principais ilegalidades apuradas pelo MP de Contas estão o estouro do limite legal de despesa com pessoal, a contratação de servidores temporários para hipótese em desconformidade em a Constituição Federal e por prazo superior ao permitido em lei e, especialmente, a contratação de servidores públicos precários sem o devido e obrigatório concurso público (art. 37, II, da CF).
Esse cenário de generalizado descontrole das finanças públicas municipais tem contribuído sobremaneira para o agravamento da crise fiscal e financeira hoje vivenciada pela maioria dos municípios alagoanos, resultando na perpetuação de uma gestão pública clientelista e patrimonialista, uma vez que as Prefeituras têm optado por prestigiar a contratação irregular de servidores selecionados por critérios pessoais em detrimento da seleção impessoal e meritória por meio de concurso público.
Os prefeitos representados pelo MP de Contas – com os respectivos processos – foram os dos seguintes municípios: 1) Maravilha (Processo TC n. 10.130/2015), 2) Craíbas (Processo TC n. 10.131/2015), 3) Igaci (Processo TC n. 10.132/2015), 4) Girau do Ponciano (Processo TC n. 10.133/2015), 5) União dos Palmares (Processo TC n. 10.134/2015), 6) Ouro Branco (Processo TC n. 10.135/2015), 7) Coruripe (Processo TC n. 10.136/2015), 8) Porto Real do Colégio (Processo TC n. 10.137/2015), 9) Feliz Deserto (Processo TC n. 10.138/2015), 10) Pindoba (Processo TC n. 10.139/2015), 11) Marechal Deodoro (Processo TC n. 10.140/2015), 12) Satuba (Processo TC n. 10.141/2015), 13) Dois Riachos (Processo TC n. 10.142/2015), 14) São José da Tapera (Processo TC n. 10.143/2015), 15) Porto Calvo (Processo TC n. 10.144/2015), 16) Estrela de Alagoas (Processo TC n. 10.145/2015).
Descumprimento LRF
De acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o limite legal da despesa com pessoal dos Municípios é de 60% de sua Receita Corrente Líquida, o qual é distribuído na proporção de 54% ao Poder Executivo e 6% ao Poder Legislativo municipal.
Após vasta pesquisa realizada pelo MP de Contas, com diversas requisições de informações – muitas das quais não foram cumpridas pelos Prefeitos investigados –, chegou-se ao grave diagnóstico de que, dos 16 prefeituras fiscalizadas, 12 extrapolaram o limite legal de despesa com pessoal estabelecido na LRF.
Contratação irregular
De acordo com o MP de Contas, o excesso da despesa com pessoal das Prefeituras é agravado quando se soma a outra grave ilegalidade, a contratação irregular de pessoal pelos Municípios. Conforme as investigações do MP de Contas apontam, a prática ilícita mais comum nas Prefeituras tem sido a contratação de servidores temporários fora das hipóteses estabelecidas na Constituição Federal e por prazo muito superior ao admitido legalmente e, numa situação mais grave, a contratação de pessoal precário sem a existência de qualquer concurso público, conduta absolutamente anti-republicana e característica da administração clientelista e patrimonialista de muitas Prefeituras alagoanas.
O MP de Contas adverte que a existência de contratações irregulares compromete ainda mais o limite da despesa com pessoal, impedindo a realização de necessários concursos públicos. Em outras palavras, essa prática acaba por gerar um círculo vicioso em que as contratações irregulares de pessoal aumentam a despesa com pessoal ocasionando o descumprimento do limite LRF, o que, por via de consequência, impossibilidade a realização de concursos públicos, única forma de sanar as contratações ilegais. Dessa forma, instala-se uma situação anômala em que se acabaria por privilegiar eventuais contratações precárias já existentes, em detrimento da realização de novos e necessários concursos públicos.
Entre os municípios fiscalizados, destacaram-se situações verificadas nas Prefeituras de Coruripe, Marechal Deodoro, Satuba e União dos Palmares.
PREFEITURA DE CORURIPE
No caso de Coruripe, muito embora a Prefeitura tenha apresentado percentual da despesa com pessoal abaixo do limite legal, foi identificada, na Justiça do Trabalho, execução de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) por descumprimento de obrigações assumidas junto ao Ministério Público do Trabalho. O descumprimento abrange: a) obrigação de se abster de admitir servidores públicos com desobediência ao princípio inscrito no inciso II, do art. 37, da CF (concurso público); b) promover o afastamento de todos os trabalhadores admitidos de forma irregular, com desobediência ao disposto no art. 37, II, da CF/88; c) limitar as contratações temporárias aos cargos e aos quantitativos relacionados em documento próprio elaborado pelo município.
O MP de Contas destaca que o descumprimento das cláusulas do TAC indica a existência de irregularidades graves no quadro de pessoal da Prefeitura de Coruripe e impõe a necessidade de atuação do TCE-AL.
Além do descumprimento do TAC, foi verificado que a Prefeitura Municipal de Coruripe a existência de contratações temporárias ilegais por burlar o princípio do concurso público, tendo em vista o desvirtuamento da natureza transitória dessas contratações, que contavam com mais de quatro anos e, em outros casos, perduram por mais de sete anos.
PREFEITURA DE MARECHAL DEODORO
Embora a Prefeitura de Marechal Deodoro também tenha apresentado percentual da despesa com pessoal abaixo do limite legal, foram identificadas diversas contratações ilegais de servidores.
Primeiro, foi apresentada ao Ministério Público de Contas denúncia de contratação de professores substitutos e monitores em detrimento de candidatos aprovados no concurso público para provimento de cargos de professor efetivo da rede municipal de ensino regido pelo Edital 01/2009.
Apesar das reiteradas requisições feitas pelo MP de Contas, a Prefeitura de Marechal Deodoro não forneceu todas as informações necessárias ao esclarecimento dos fatos denunciados.
Porém, em pesquisa empreendida pelo MP de Contas, extraiu-se uma enorme quantidade de contratos de trabalhos nulos.
Dentre as demandas mais recentes, foram identificadas situações em que declarada a nulidade do contrato de trabalho, por burla ao concurso público, condenando-se o Município ao pagamento de indenização correspondente aos depósitos fundiários de todo período trabalhado. Há contratação que perdurou por quase 8 anos; outra se estendeu por 14 anos.
PREFEITURA DE SATUBA
Além de apresentar um excessivo percentual de despesa com pessoal (141,06% da Receita Corrente Líquida), foi verificada no município de Satuba a existência da Lei Municipal 356/2009, editada em 22/12/2009, que teria convertido as relações de emprego existentes no Município, sob o regime celetista, em relações estatutárias.
Em pesquisa empreendida pelo MP de Contas, extraiu-se uma enorme quantidade de contratos de trabalhos nulos, cabendo, em especial o registro da mudança de regime celetista para estatutário, no exercício 2009, sem concurso público.
PREFEITURA DE UNIÃO DOS PALMARES
Em relação à situação específica da Prefeitura Municipal de União dos Palmares, desde outubro de 2012 o Ministério Público de Contas vem recomendando e cobrando medidas para a recondução da despesa ao limite legal, porém, sem sucesso.
Com a transição da gestão, em abril de 2013 foi expedido Ofício ao atual gestor, para posicionamento em face da extrapolação verificada. O Prefeito informou que adotaria medidas de recenseamento dos servidores e, após o resultado, aplicaria as medidas previstas na LC 101/2000, fazendo acrescentar que, devido ao curto período no cargo, necessitava conhecer a máquina burocrática e realizar modificações.
Em setembro de 2013, o MPC solicitou informações sobre o resultado do recenseamento e a adoção de medidas de recondução, uma vez que ainda persistia a extrapolação. Em resposta, o gestor informou que as medidas de recenseamento ainda estavam em andamento, mas que já teria conseguido a redução do comprometimento até 60,66% – persistindo ainda a extrapolação.
Novamente instado o gestor, este apresentou resposta em agosto de 2014, informando que a licitação para contratação de empresa para realização do recenseamento foi deserta.
Já em julho de 2015, após quase dois anos da provocação inicial, o gestor informou a impossibilidade de realização do necessário concurso público, haja vista que a despesa total com pessoal, em abril de 2015, comprometia 66,21% da RCL, sem informar quaisquer outras medidas com vistas à recondução ao limite legal.
De outro lado, o MP de Contas verificou que, no caso da Prefeitura Municipal de União dos Palmares, cuja extrapolação é verificada desde, pelo menos, 2012, as informações fornecidas pelas Varas do Trabalho apontam um expressivo número de demandas, nas quais é reconhecida a nulidade dos contratos de trabalho (burla ao concurso público) e condenado o Município a indenização correspondente aos depósitos de FGTS do período trabalhado. Há contratação precária que perdurou por mais de sete anos.
Sanções
Tendo em vista que o art. 23 da Lei de Responsabilidade Fiscal impõe ao gestor a obrigação de eliminação do percentual excedente dos limites legalmente definidos nos dois quadrimestres seguintes (sendo pelo menos um terço no primeiro), a omissão na prática dessa competência legal pode configurar infração político administrativa, na forma do art. 4º, VII, do Decreto Lei nº 201/67.