Sonita Alizadeh nasceu no Afeganistão, onde muitas das meninas têm o mesmo destino: ainda crianças, são negociadas por sua famílias com seus futuros maridos em troca de dinheiro. No entanto, sua inconformidade com a tradição e o rap a ajudaram a escapar do casamento que não desejava. Depois de ouvir de sua mãe, pela segunda vez, que se casaria, gravou o clipe “Filhas à venda” e chamou a atenção de uma ONG que conseguiu uma bolsa para ela a estudar nos Estados Unidos.
“Quando minha mãe me disse que iria me vender, senti como se estivesse morrendo. Tive medo de perder o meu futuro e não conseguia entender que ela não via isso”, diz a rapper, de 18 anos, por e-mail ao G1.
Aos 10 anos, Sonita ouviu pela primeira vez que sua família negociava seu casamento com um primo, mas a união não foi adiante. Ainda criança, sua família saiu do Afeganistão para fugir do Talibã e se mudou para o Irã. Naquele país, por volta dos 15 anos, começou a compor. Ela conta que suas influências são o rapper Eminem e a cantora iraniana Yas.
Como cantoras precisam de uma autorização do governo do Irã para atuar, ela compunha e gravava suas músicas escondida, em estúdios clandestinos. Sonita tinha medo. “Um dia a polícia apareceu em frente ao estúdio clandestino em que eu gravava. Achei que estivessem lá para me levar, tive muito medo. Eu estava cantando sobre temas reais e eles não gostavam disso”, diz Sonita, que chegou a pensar que seria deportada ao Afeganistão. Mas o alvo da polícia naquele dia não era ela.
Aos 16 anos Sonita compôs “Filhas à venda” (Dokhtar Forooshi, em persa), em que canta sob a perspectiva de uma menina que está prestes a se casar: “Estou perplexa com esta tradição e essas pessoas. Eles vendem meninas por dinheiro. Sem direito, sem escolha. Agora meu pai está preocupado com os custos de vida. Quem pagar mais leva a garota”.
Nesta época, a jovem conheceu um diretor de cinema que se interessou por sua história e a ajudou a gravar o clipe, em que aparece vestida de noiva, com um código de barras estampado na testa e marcas de agressão no rosto. Ela postou o vídeo no YouTube e chamou a atenção do grupo Strongheart, que apoia jovens artistas que crescem em contextos difíceis.
A ONG conseguiu uma bolsa de estudos em uma escola de Utah, nos Estados Unidos, e Sonita foi ao novo país sem falar nada para sua mãe. Telefonou apenas quando chegou lá, em janeiro deste ano. “Eu estava feliz de me mudar para um lugar diferente e longe, sabendo que tinha todo o apoio”, conta.
Ela diz que não guarda ressentimentos das decisões de sua mãe. “Eu sei que não é culpa dela. Ela estava seguindo uma tradição e fazendo o que era esperado. Ela também sentiu que precisava de dinheiro e eu entendo isso. Mas finalmente ela me escutou e agora ela vê o meu valor e me apoia. Isso é muito forte da parte dela, e eu sou grata”.
Agora a jovem diz que pode planejar seu futuro sem se preocupar com a sua sobrevivência. “No Afeganistão, e em outros países, mulheres não têm direitos e estão apenas pensando em sobreviver. Nos Estados Unidos, elas pensam sobre o seu futuro. Podem pensar em como vão se tornar quem querem ser e em como vão alcançar seus sonhos”, diz. “Minha vida é muito diferente agora e eu gosto disso, mas estou sempre pensando sobre como acabar com o casamento de crianças”, diz.
Sonita se prepara para gravar sua música mais conhecida em inglês e novas canções sobre o direito das mulheres nas duas línguas. A amizade com o diretor de cinema rendeu um documentário sobre sua vida no Irã, que estreia em novembro na Europa.
Veja o vídeo: