Em 24 de novembro do ano passado, um jato da força aérea turca derrubou um bombardeiro russo. A Turquia alega invasão do espaço aéreo de seu território, o que é negado pela Rússia. O incidente ocorrido na fronteira turca com a Síria foi o estopim para uma nova crise diplomática entre os países, e que pode ter efeito no futebol.
Nesta terça-feira o Fenerbahçe recebe no estádio Sukru Saracoglu (ESPN Brasil, 15h) o Lokomotiv Moscou pela primeira fase do mata-mata da Liga Europa. Desde a realização do sorteio em meados de dezembro, a tensão entre os países aumentou e há receio das autoridades de que a partida se torne um palco para manifestações e até mesmo agressões.
Historicamente russos e turcos não possuem boa relação diplomática. Desde os tempos dos impérios Russo e Otomano os povos lutaram por motivos diversos entre os séculos XVI e XIX. Posteriormente houve o Armistício de Erzincan, o impasse durante a II Guerra Mundial em relação ao controle dos estreitos de Bósforo e Dardanelos – apesar da neutralidade declarada pelos turcos – e a disputa por territórios na fronteira com a União Soviética na década de 1940. Inclusive, o primeiro exílio de Leon Trotsky aconteceu em Büyükada, ilha localizada no Mar de Marmara, na Turquia. Há mais de 50 anos um integrante da OTAN não derrubava um caça russo.
O conflito recente acontece por conta da guerra civil na Síria, com participação de forças estrangeiras, que teve início em março de 2011 com levantes populares e já resultou na morte de mais de 250 mil pessos, além do drama vivido por outras milhares que buscam refúgio em solo europeu e assistido passivamente pela comunidade internacional.
Os russos são aliados de Bashar al-Assad e iniciaram ofensiva em território sírio para lutar contra o Exército Islâmico, além de bombardear rebeldes que lutam para derrubar o governo. Os turcos, apesar da luta contra o EI também, possuem outros interesses na região, são aliados dos Estados Unidos, opositores ao regime de Assad e têm bombardeado alvos curdos na fronteira com a Síria. Nesta semana, o Kremlin divulgou comunicado criticando as ações: “Moscou expressa sua profunda preocupação sobre as ações agressivas por parte das autoridades turcas. Ancara prossegue em uma linha provocadora, que está criando uma ameaça para a paz e a segurança no Oriente Médio”.
Além de sanções econômicas e comerciais, o conflito russo-turco ganhou novos contornos no esporte com a declaração do ministro dos Esportes da Rússia, Vitaly Mutko, no final de novembro, poucos dias após a queda do Sukhoi Su-24 russo. O político, ex-presidente do Zenit São Petersburgo e da Federação Russa de Futebol, afirmou enquanto a janela de transferências estava aberta que “se algum clube quisesse contratar (um jogador turco), não haveria essa possibilidade”. Além disso, pediu ainda que os clubes russos cancelassem as inter-temporadas que normalmente acontecem em território turco. Foi atendido por Spartak Moscou, Krasnodar e Kuban Krasnodar – na Sérvia, o Estrela Vermelha tomou a mesma decisão em solidariedade aos russos.
Quando foi definido o confronto entre Lokomotiv e Fenerbahçe, no último dia 14 de dezembro, a preocupação das autoridades envolvidas nos dois jogos aumentou. As torcidas dois times estão entre as mais fanáticas da Europa e devem tornar os 1750 km de distância entre Moscou e Istambul em um pequeno trajeto. Nas duas últimas décadas, esses torcedores se especializaram em criar problemas para seus clubes. Os fãs do Loko, no ano passado, ofenderam com cânticos xenófobos os rivais albaneses no confronto contra o Skenderbeu. O Fenerbahçe, além de punições impostas por causa de acusações sobre manipulação de resultados, enfrentou suspensões pelo comportamento agressivo de sua torcida – tanto nacionalmente, como internacionalmente.
Para o jogo desta terça-feira, ao menos para os jogadores, a tensão não entrará em campo. É o que garantem dois dos brasileiros envolvidos no duelo.
O meio-campista Souza, ex-São Paulo e Grêmio, está ciente de tudo que envolve a partida, mas relativiza a atenção dada a esses fatores. “Em relação ao ocorrido com os aviões, nada chegou a nós. Sabemos que é um jogo importante pela Liga Europa, e tanto nós como o Lokomotiv queremos vencer por causa disso. Aqui na Turquia não falaram nada sobre o extra-campo, somente o jogo mesmo”.
Do outro lado, Maicon, ex-Fluminense, atacante do Lokomotiv desde 2010, tem postura semelhante. “Desde que aconteceu a queda do avião russo a relação entre Turquia e Rússia ficou ruim, mas não chegou nada para nós. Encaramos como qualquer jogo, independentemente de o adversário ser turco. Será uma partida muito difícil, mas esses fatores extra-campo não estão afetando o nosso time”, afirmou.
Enquanto o time russo fará o primeiro jogo oficial do ano, já que a temporada na Rússia recomeça apenas em março, o Campeonato Turco praticamente não parou, e o Fenerbahçe acumula em 2016 três vitórias e uma derrota, ocupando a primeira posição na tabela.
Curiosamente, na fase de grupos, o Loko eliminou o Besiktas, mas as duas partidas aconteceram antes do incidente de novembro na Síria. Historicamente são oito partidas contra turcos, com duas vitórias, três empates e três derrotas. Já o Fener contra russos soma um triunfo, duas igualdades e um tropeço em competições continentais – sempre sofreu pelo menos um gol e nunca venceu fora. Este será o primeiro jogo oficial da história entre os clubes.