Uma mulher que sofreu problema de irrigação sanguínea durante uma cirurgia plástica em Curitiba começou a apresentar sintomas de cleptomania — uma vontade incontrolável de roubar coisas.
O caso foi revelado em um estudo na revista científica “British Medical Journal”, assinado pelo médico Fábio Nascimento, da Universidade de Toronto, e colegas do Instituto Neurológico de Curitiba.
Segundo os autores, que não revelam o nome da paciente, a mulher de 40 anos, submetida a uma cirurgia de aumento dos seios e redução de abdome, não tinha histórico de uso de drogas nem de transtorno psiquiátrico. Seu comportamento teria começado a mudar depois de ela se sentir mal no período pós-operatório.
“Ela apresentou sonolência, desorientação, apatia e lapsos de memória”, contam Nascimento e seus colegas. “Nos dias seguintes, ela começou a experimentar pensamentos intrusivos recorrentes, uma compulsão irresistível em roubar e alívio após cometer o ato.”
O sintoma incomum, porém, só foi descoberto quando a mulher já havia voltado para casa, e foi relatado aos médicos pelo marido dela.
“Segundo ele, a paciente comentava que tinha uma vontade irresistível de furtar objetos”, conta Nascimento. “O clímax da condição psiquiátrica transitória foi quando a paciente de fato tentou furtar um item em uma loja da cidade. ”
Passagem pela polícia
O marido relatou que a esposa foi a uma loja escolher um presente de aniversário para a filha, escolheu um produto, e mesmo tendo dinheiro suficiente para comprá-lo, colocou-o escondido na bolsa e saiu da loja. Já no estacionamento, foi flagrada por um segurança da loja e acabou indo parar na delegacia. Foi liberada, porém, após “sua condição psiquiátrica ter sido explicada ao delegado”.
Nascimento e seus colegas afirmam que, apesar de estranho, o fenômeno tem precedente na literatura médica. Interferências no córtex cerebral frontal, a parte do cérebro prejudicada no caso descrito, não raro resultam em problemas cognitivos, comportamentais e emocionais. Dificuldades para controlar impulsos já foram relatadas após danos neurológicos.
“A hipótese mais provável é que ela tenha sofrido isquemia cerebral [falta de oxigenação] durante ou logo depois da cirurgia”, conta Nascimento. “Acreditamos que essa isquemia foi decorrente de períodos de baixa pressão arterial que a paciente passou durante a cirurgia. Esta prática é deveras ‘comum’ em cirurgia, e tem como objetivo diminuir sangramento ou diminuir a necessidade de transfusões sanguíneas.”
No caso da mulher descrita no artigo, porém, não houve lesão cerebral permanente, e os sintomas desapareceram depois de alguns dias. Seu diagnóstico proposto no estudo foi de “cleptomania transitória” e “transtorno do controle de impulsos”.