Um comerciante de peças de ônibus se tornou celebridade nacional na Bulgária após começar a patrulhar a fronteira “caçando” imigrantes. Muitos búlgaros apoiam sua iniciativa, mas outros manifestam preocupação.
“A Bulgária precisa de gente como eu, búlgaros dignos, dispostos a defender sua terra natal”, afirma Dinko Valev, enquanto toma um suco de laranja fresco em um café de sua cidade, Yambol, a 50 km da fronteira da Bulgária com a Turquia.
Valev, de 29 anos, é um musculoso lutador semi-profissional, de cabeça raspada e gestos bruscos. Seu peitoral esquerdo tem uma tatuagem de uma cruz do tamanho de uma bisteca.
Ele ficou famoso da noite para o dia no mês passado após uma rede de TV classificá-lo como “super-herói”, em reportagem que descreveu um encontro violento que teve com um grupo de sírios, enquanto andava de quadriciclo pela região da fronteira.
O apresentador elogiou Valev por ter dominado “com as próprias mãos” um grupo de 12 homens, três mulheres e uma criança.
Imagens registradas no celular por um dos colegas de Valev mostram os imigrantes deitados no chão esperando pela chegada da polícia. Valev pode ser ouvido no vídeo insultando os imigrantes e dizendo que haviam chegado da Síria “para nos matar como cachorros”.
“Eles são pessoas nojentas e más, e deveriam ficar onde estão”, diz Valev. Ele estima ter o apoio de 95% da população, ao descrever os imigrantes como perigosos “terroristas, jihadistas e talibãs”.
“A Bulgária é como um jardim sem cerca, completamente desorganizado”, afirma, refletindo um sentimento de falta de confiança no governo compartilhado por muitos búlgaros.
Na verdade, o governo da Bulgária ergueu uma cerca ao longo de aproximadamente metade da fronteira com a Turquia, e agora está tentando ampliá-la.
Valev tem usado sua fama recém-adquirida para convocar voluntários a integrar patrulhas na fronteira. No último dia 12 de março, segundo ele, cerca de 50 pessoas desarmadas se reuniram em quadriciclos e jipes para procurar imigrantes na região de floresta da fronteira.
Mas havia um grande grupo de policiais quando chegaram. Segundo Valev, os policiais estavam deliberadamente assustando imigrantes para evitar que fossem capturados pelos vigilantes voluntários. Diante disso, afirma ele, local e horário de patrulhas futuras não serão mais divulgados.
A porta-voz da polícia de fronteira Lora Lyubenova disse que denúncias de cidadãos sobre crimes – como a travessia ilegal pela fronteira – são bem-vindas, mas ressaltou que a autoridade para fazer prisões é exclusiva da polícia.
No ano passado, ao menos 1 milhão de pessoas usaram a chamada rota do oeste dos Balcãs para entrar na União Europeia, mas apenas 90 mil teriam passado pela Bulgária.
Ainda assim, a mídia búlgara é recheada de retórica inflamada contra a imigração. Um estudo de 2013 da Associação de Jornalistas Europeus, uma ONG baseada em Sofia, analisou 8.439 artigos sobre imigrantes publicados na imprensa do país e concluiu que as duas palavras mais comuns foram “ameaça” e “doença”.
O diretor do Museu de História Natural da Bulgária, o popular historiador Bozhidar Dimitrov, ventilou a ideia de converter os imigrantes ao cristianismo, e sugeriu que o país passe a aceitar apenas mulheres e crianças.
“Funcionários públicos estimulam abertamente medo e ódio contra os refugiados, apresentando-os como uma ameaça ao povo búlgaro”, diz Margarita Ilieva, chefe da organização de direitos humanos Bulgarian Helsinki Committee.
A organização pediu ao Ministério Público que investigue Valev, apontando que ele se vangloriou em rede nacional de cometer crimes como agressão, ameaças, detenções ilegais e incitação ao ódio e violência étnica.
Valev diz que agiu em legítima defesa após um sírio ter tentado esfaqueá-lo. Outros homens do grupo ficaram agressivos, diz o comerciante, ele usou, então, a força para dominá-los também.
Quando Valev foi levado à polícia para prestar esclarecimentos, cerca de 30 manifestantes se reuniram na porta do local aos gritos de “Dinko é nosso herói” e “Não queremos imigrantes”.
Escape social
O medo de imigrantes se tornou uma válvula de escape para o descontentamento da população em relação a uma série de problemas, afirma Haralan Alexandrov, antropólogo social na Nova Universidade Búlgara. Para ele, búlgaros não são mais ou menos xenófobos do que outros povos europeus.
Corrupção, pobreza, decepção com o ingresso da União Europeia, um sistema judicial falido e sem perspectiva de reforma – tudo isso alimenta a revolta entre a população, na avaliação do professor.
“Em vez de direcionar seu ódio para o poderoso Judiciário, é mais fácil atacar refugiados aterrorizados escondidos no mato. Você sente que há algo errado com o mundo e alguém precisa ser culpado, então, você escolhe o alvo mais fraco”, completa.
Há também uma dose de trauma histórico. A Bulgária integrou o Império Otomano por cerca de 500 anos até 1878, e a propaganda nacionalista condicionou os búlgaros a considerar todo representante do mundo islâmico como um terrorista e estuprador em potencial, afirma Alexandrov – uma percepção que, segundo ele, se intensificou após atentados terroristas recentes na Turquia.
Enquanto isso, o fracasso de líderes europeus em lidar com a crise migratória é visto como “prova definitiva de que a União Europeia é uma avó velha e cansada que se permitiu ser assediada e estuprada por homens predadores”, diz.
Uma nova preocupação é que rotas de tráfico de pessoas possam estar mudando como resultado de um novo acordo entre a União Europeia e a Turquia para a devolução de imigrantes com pedido de asilo rejeitado.
Na semana passada, o primeiro-ministro búlgaro, Boyko Borisov, disse que o governo está disposto ainda a construir uma cerca na fronteira com a Grécia, caso seja necessário.
Enquanto isso, o prefeito de Topolovgrad, entre Yambol a a fronteira com a Turquia, foi notícia após pedir ao governo equipamentos militares para montar uma “força voluntária emergencial de resposta”.
O objetivo seria conter um eventual aumento no fluxo de imigrantes, com veículos blindados, 30 rifles AK-47, uniformes e barracas. Ele disse que 200 voluntários já se apresentaram para a empreitada.