Documentos apreendidos na segunda fase da Operação Alba Branca apontam que diretores da Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar (Coaf), principal investigada no esquema de fraude em licitações da merenda escolar em prefeituras e no governo paulista, criaram uma segunda entidade com o objetivo de expandir os golpes.
Segundo o delegado Mário José Gonçalves, a cooperativa de pequenos agricultores foi registrada com sede em Cândido Rodrigues (SP) e tinha diretoria composta por membros da própria Coaf. A organização chegou a participar de uma concorrência para fornecimento de merenda escolar, que teve a Coaf como vencedora.
“Essa cooperativa teve o nome usado em pelo menos um ou dois orçamentos, para eles participarem de chamada pública. A gente achava até que era essa a finalidade, só usar a instituição para participar de chamada pública, mas depois eles acabaram confirmando que não, que tinham o objetivo de por ela em funcionamento mesmo”, explicou.
Sem apresentar detalhes do caso sob a alegação de prejuízo às investigações, Gonçalves disse ainda que os suspeitos planejavam usar a nova cooperativa, caso o golpe fosse descoberto ou a Coaf extinta devido às dívidas – atualmente, as contas somam cerca de R$ 4,5 milhões.
“Ela estava em fase embrionária ainda, tinha só as possíveis atas aprovadas na Jucesp [Junta Comercial do Estado de São Paulo]. Parece que eles iriam extinguir a Coaf, porque ela não conseguia manter os seus contratos. Ela trabalhava altamente deficitária, porque o custo é muito alto para manter esse sistema, pagando altas comissões”, disse.
DAPs fraudadas
Gonçalves afirmou ainda que a diretoria da Coaf usava irregularmente Declarações de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (DAP) de pequenos agricultores que não integravam a Cooperativa, para participar das chamadas públicas.
“Inicialmente, eles pegavam a declaração do produtor, que autorizava agregar sua DAP de pessoa física na DAP jurídica da Coaf. Isso foi modificando e, nos últimos tempos, era simplesmente uma declaração de que o agricultor poderia vender para a cooperativa. Não tinha nenhuma autorização”, afirmou.
Uma planilha apreendida com um dos suspeitos presos na operação Alba Branca contém os nomes de 1.070 pequenos produtores rurais, que eram usados indiscriminadamente para fraudar os orçamentos enviados às prefeituras, como se fossem fornecedores de alimentos à Coaf.
“Para fazer um contrato com uma prefeitura grande, fora do estado, Goiânia, por exemplo, uma cooperativa pequena não consegue, é impossível. Por exemplo, suco de laranja, são pequenos produtores, não adianta apresentar uma relação de 30, 40 nomes. Precisam ser centenas de DAPs porque parte da premissa que são pequenos produtores”, detalhou.
O delegado afirmou também que existia um esquema dentro da Coaf para “captação” de DAPs, sem aviso prévio aos agricultores. Pessoas ligadas ou não à Cooperativa levantavam dados aleatoriamente e “vendiam” os registros à entidade por cerca de R$ 50.
Posteriormente, os nomes desses produtores rurais passavam a figurar como “cooperados”, quando a Coaf participava de licitações das prefeituras.
“Eu mesmo vi o depósito de uma pessoa de R$ 2,3 mil. A pessoa chegou ali com um determinado numero de DAPs, recebeu e foi embora. Isso era muito importante para eles poderem operar. Quanto mais agricultor da agricultura familiar agregado, mais eles tinham força de comercialização”, concluiu.
O caso
O esquema começou a ser investigado no ano passado. Segundo o Ministério Público, a Coaf assinou ao menos R$ 7 milhões em contratos com 21 prefeituras, além do governo estadual, somente entre 2014 e 2015, para o fornecimento de alimentos e suco para a merenda escolar.
Parte desse valor, no entanto, era usada no pagamento de intermediários, os chamados lobistas, além de agentes públicos, que atuavam no sentido de facilitar ou fraudar as licitações para que a cooperativa sempre fosse beneficiada.
A prefeitura depositava o pagamento pela prestação do serviço, um funcionário da Coaf sacava a parte referente à propina e às comissões. Cada vendedor da Coaf era ligado a um lobista, e este a um agente público. Todos recebiam quantias em dinheiro.
Os pagamentos, de acordo com o MP, variavam entre 10% e 30% do valor dos contratos. Essa porcentagem era acrescida no preço final, o que ocasionava um superfaturamento dos produtos vendidos.
Presos na segunda fase, o ex-presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), Leonel Julio, o filho dele, o empresário Marcel Julio, e o atual presidente da União dos Vereadores do Estado de São Paulo (Uvesp), Sebastião Misiara, são apontados pelo Ministério Público como lobistas do esquema com participação nos contratos firmados.
O atual presidente da Alesp, Fernando Capez (PSDB), e o ex-chefe de gabinete da Casa Civil do governo paulista, Luiz Roberto dos Santos, o Moita, também foram citados como beneficiários de esquema de fraude.
Pelo menos três investigados disseram à Polícia Civil de Bebedouro que Capez e Moita receberam propina por contratos que prefeituras e a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo firmaram com a Coaf. Ambos negam envolvimento.
Os ex-secretários Duarte Nogueira, Logística e Transporte, e Herman Voorwald, Educação, além do ex-chefe de gabinete da Secretaria da Educação, Fernando Padula, também foram citados como receptores finais da propina.
No entanto, a Corregedoria Geral de São Paulo arquivou a investigação contra os três alegando que não foram encontradas provas suficientes que sustentassem as denúncias.