A fusão dos ministérios de Educação e Cultura, anunciada pelo governo Michel Temer nesta quinta-feira (12), tem sido duramente criticada por vários políticos e setores da sociedade civil, especialmente da classe artística. Com a mudança, o ministro Juca Ferreira deixa o cargo, que será aglutinado ao de Aloizio Mercadante (Educação) e ocupado pelo pernambucano Mendonça Filho.
Antes mesmo do anúncio, Juca Ferreira já havia categorizado a alteração como um “retrocesso ao século passado”. Na quarta-feira (11), ele comentou que este passo seria de uma “irresponsabilidade enorme”. “Temos uma soma de legados e acumulações. A cultura tem uma interface com todas as facetas da vida social. Você pode fundir (o MinC) até com o Ministério da Fazenda se quiser, mas é um erro porque há uma especificidade do nosso trabalho”, afirmou. O ex-ministro também falou sobre a importância da cultura para combater a intolerância, para promover o respeito e a aceitação do diferente, para promover uma economia que diversifique as exportações para além das commodities, combater a violência. “(Com a possível fusão), essa complexidade vai ser reduzida e empacotada”, lamentou.
Algo semelhante ocorreu ao Minc durante o governo Fernando Color, quando a pasta perdeu o status de ministério e funcionou, de 1990 a 1992, como uma secretaria da Presidência da República. Antes disso, Educação e Cultura já estiveram juntas de 1934 a 1945, quando Getulio Vargas era presidente.
O Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Municipais de Cultura das Capitais e Regiões Metropolitanas declarou, em manifesto, que todo o esforço que o país fizer em termos de desenvolvimento econômico será “sem efeito para o conjunto da população se não considerar os aspectos culturais do desenvolvimento”.
“Enquanto a maior parte do mundo caminha para pensar a cultura como estratégica para o desenvolvimento das nações, não podemos caminhar num sentido diferente. Por mais que se tenha que replanejar os investimentos no país, a Cultura precisa ser colocado num outro patamar, posto que o investimento não realizado em cultura hoje terá um alto custo para o país posteriormente. A Cultura é que nos torna realmente humanos, o que nos tira da barbárie”, afirma o manifesto, assinado por 28 gestores públicos do país, entre secretários e dirigentes de instituições. O secretário de Cultura de Pernambuco, Marcelino Granja, foi um dos que assinaram.
O diretor teatral pernambucano Samuel Santos, do grupo O Poste, ironizou o anúncio do novo ministro. “Mendocinha está no ministério certo. Como ele não tem nem cultura nem educação, nada mais acertado que colocá-lo num ministério que não fará nada pela educação e cultura”.
O músico e produtor Cacá Machado, que na terça-feira (10) participou de um abraço simbólico ao prédio do Minc, vê a extinção do ministério como um afronte aos direitos do cidadão e afirma que a pasta é também conquista importante da sociedade desde a redemocratização do país, em 1985.
Para a coordenadora de teatro do Centro de Artes Cênicas da Funarte, Maria Mariguela,
embora educação e cultura sejam temas irmãos, não podem conviver. “Não se pode admitir tirar a cultura do seu status de centralidade do desenvolvimento de uma nação. Uma nação soberana não se desenvolve sem a presença forte da cultura”, defende.
Atriz e apresentadora do canal Multishow, Luisa Micheletti lamentou a fusão do Minc pelas redes sociais. “Tchau ministério da cultura. Tchau secretaria de mulheres e igualdade racial. Parabéns pra vc que bateu panela querendo ‘mudança'”. O cantor Leoni acrescentou: “A cultura é inútil num mundo utilitarista. Ou melhor, inimiga. Viva a Cultura”. Para o compositor pernambucano Silvério Pessoa, a mudança vai representar a diluição da cultura. “Enfraquecimento total para as conquistas em um campo importante para o país”.
O presidente da Funarte, Francisco Bosco, também deixou o cargo nesta quinta-feira (12). Sobre a mudança de conjuntura, ele se pronunciou pelo Facebook: “Saio junto com o ministro Juca Ferreira e diversos dirigentes do MinC. A frustração é enorme, por não ter podido concluir os processos de médio ou longo prazo que vim desenvolvendo. (…) O MinC de Gil e Juca foi o lugar, no Estado brasileiro, onde diversos atores sociais historicamente excluídos (povos indígenas, povos de terreiro, mestres de cultura popular, minorias de gênero etc.) não apenas foram contemplados por políticas públicas como foram coautores delas, por meio de mecanismos participativos de democracia mais direta que, apesar dos problemas, devem ser inspiradores para o Estado brasileiro como um todo”, disse Bosco.
“Ao se desmantelar o MinC, pretende-se voltar a relegar todo esse conjunto de cidadãos e todo esse conjunto de formas políticas ao seu lugar de invisibilidade. Não se enganem, o retrocesso na cultura é o retrocesso de toda a sociedade, pois a cultura foi nesses anos um lugar onde a sociedade brasileira conheceu uma forma de democracia mais aprofundada – que os velhos novos donos do poder querem erradicar de qualquer maneira. Vai ter luta”, declarou Francisco Bosco.
Diretor-presidente da agência SP Cine, pesquisador e professor de cinema, Alfredo Manevy classificou a fusão de ministérios como uma “canetada que promove um retrocesso de 30 anos”. Para ele, a diluição das políticas culturais no Ministério que zela constitucionalmente pelos gigantes problemas educacionais brasileiros virá na contramão das grandes democracias mundiais e será um baque profundo: “Terá impacto especialmente para a produção cultural brasileira, dos grandes centros, do interior, em todas as regiões. Haverá impacto para todas as linguagens artísticas, para as políticas de leitura, patrimônio cultural, e nas populações quilombolas, indígenas, que passaram a se relacionar com o MinC na última década. Para as políticas de valorização da diferença e respeito as liberdades religiosas e comportamentais”.