Como o vilão é messiânico, vale usar uma reflexão bíblica. “X-Men: Apocalipse”, que estreia no Brasil nesta quinta-feira (19), escreve certo por linhas tortas. O terceiro filme da segunda trilogia dos mutantes da Marvel acerta nas novas versões de heróis clássicos do grupo, como Ciclope e Jean Grey, e traz o espírito do desenho animado da década de 1990 – uma das encarnações mais queridas dos X-Men fora dos quadrinhos.
Porém, o novo trabalho do diretor Bryan Singer (e sua quarta produção sobre os mutantes) não tem a simplicidade e a coesão que ainda fazem de “Primeira classe” (2011) o melhor filme sobre o time de mutantes. “Apocalipse” desenvolve mal suas sub-tramas, constrange nas cenas de humor e subestima a força do vilão do título, e por isso é a parte mais fraca desse novo momento dos X-Men nos cinemas. Assista ao trailer acima.
Fim dos tempos
“X-Men: Apocalipse” se passa na década de 1980, 10 anos após os acontecimentos de “Dias de um futuro esquecido”. James McAvoy volta a interpretar o Professor Xavier, que desistiu do heroísmo para se dedicar totalmente a ajudar jovens mutantes a controlar seus poderes. Já Magneto – vivido novamente por um ótimo como sempre, mas entediado como nunca, Michael Fassbender – substituiu seu ódio por uma vida tranquila, sob anonimato, ao lado da esposa e da filha.
Toda essa paz acaba (é claro) com o retorno de En Saban Nur, ou Apocalipse, considerado o primeiro mutante da história. Sua grande habilidade é absorver os poderes de outros mutantes, e graças a isso ele chegou muito perto de dominar o planeta no Egito antigo… até ser traído e preso em uma pirâmide gigantesca com o maior defeito estrutural de uma super arma desde a Estrela da Morte.
A aparição de Apocalipse é um pedido antigo dos fãs dos quadrinhos, mas acaba sendo um dos problemas do novo filme. Além do seu plano raso, sem gravidade alguma, de destruir a tudo e a todos para liderar os sobreviventes, a versão cinematográfica do vilão consegue a proeza de parecer poderoso demais para os mocinhos no começo… mas incapaz de oferecer perigo algum no final.
En Saban Nur vaporiza humanos com um piscar de olhos e consegue ampliar enormemente os poderes de seus “cavaleiros”, um grupo de mutantes escolhido para governar ao seu lado. Mas são os pupilos (que mereciam muito mais tempo em cena para terem o nível de ameaça de seu mestre) que vão às vias de fato com os X-Men. E Apocalipse acaba encerrando sua participação medindo forças com artifícios de roteiro tirados da cartola, e não com os super-heróis. Ele merecia mais.
A caracterização do vilão também não ajuda. Os trailers já indicavam o que vinha pela frente, mas havia esperança por um tapinha no visual final. Pedido negado. É impossível olhar para o vilão nos cinemas e não lembrar de Ivan Ooze, o inimigo púrpura do filme de 1995 dos “Power Rangers”. Nem mesmo a presença do badalado Oscar Isaac (“Star Wars: Episódio VII – O despertar da força”) salva, mergulhado debaixo de tinta roxa e acessórios cafonas.
Cataclisma de confusão
A ameaça de Apocalipse não vem só. E entre o Professor Xavier enfrentando novas mentes poderosíssimas, Magneto buscando (e desistindo) a redenção, um novo vilão, mais mutantes e a tentativa de estabelecer um universo funcional e cheio de personagens como o dos Vingadores, há muita coisa acontecendo em “X-Men: Apocalipse” de forma superficial.
Histórias paralelas, como o parentesco entre Mercúrio e Magneto e a formação dos Quatro Cavaleiros do Apocalipse, são muito mal-exploradas. E não é por falta de tempo, já que o filme bate na casa das 2h30 de projeção. Já a participação de Wolverine, por mais que seja um grande serviço aos fãs, serve apenas para desviar o foco de uma trama que já tinha de lidar com muitos elementos em cena.
O que é uma pena, pois as novas versões de Jean Grey (Sophie Turner) e Ciclope (Tye Sheridan) desenvolvem uma relação promissora para o futuro da franquia. Ao contrário da trilogia original de filmes, em “X-Men: Apocalipse” o jovem Scott Summers já vai mostrando sua vocação para a liderança, enquanto Jean Grey transmite com mais credibilidade a instabilidade dos seus poderes – e a eventual evocação de uma tal de Fênix.
A força de “Primeira classe” estava exatamente na simplicidade. Mesmo os clichês do gênero se encaixavam na proposta de ser uma espécie de homenagem mutante aos filmes sobre espiões e a Guerra Fria.
Já “Apocalipse” peca na megalomania. Em uma cena, Jean Grey deixa o cinema após assistir “Star Wars: Episódio VI – O retorno de Jedi” e diz: “o terceiro filme é sempre o pior”, no que parece ser uma indireta a “X-Men: O confronto final” (2006), responsável por enterrar a trilogia original. Ironicamente, o novo filme não foge completamente de cometer os mesmos erros.
“X-Men: Apocalipse” está longe de ser ruim como o longa dirigido por Brett Ratner, mas também não é memorável. Se fôssemos ranquear as produções de super-heróis de 2016, ele se encaixaria naquela categoria “espere sair em DVD”. “Capitão América: Guerra Civil” segue liderando como o filme “pare o que está fazendo e vá ao cinema” do ano, enquanto “Batman vs Superman: A origem da justiça” não merece sua atenção.