O ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva concedeu uma longa e exclusiva entrevista ao jornal Libération, ocupando a capa e as seis primeiras páginas do diário.
“Vou buscar os óculos para ver se fico com ar de sociólogo ou de especialista em política”:Libération abre a entrevista publicando a provocação do ex-presidente brasileiro e afirmando que “Lula, a criança pobre que não terminou a escola, tem o senso da autocrítica, uma outra faceta da segurança”, segundo o jornal francês.
“Os pobres são a solução” é a manchete do diário de esquerda de hoje, reprodução de uma declaração do líder do PT. “Escutando seus argumentos, entendemos a injustiça política que atinge Dilma Rousseff, vítima de seus erros, mas sobretudo a operação reacionária que muitos brasileiros chamam de golpe”, publica Libération. Na sede do Instituto Lula em São Paulo, a jornalista francesa e correspondente do jornal em São Paulo, Chantal Rayes, entrevistou o ex-presidente sobre os Jogos Olímpicos, a crise econômica, política e social que assola o país, e o afastamento de Dilma Rousseff.
Segundo Libération, “Lula é um social-democrata originário do povo. Sua política é contestada também porque ter retirado da miséria 35 milhões de pobres, que os governos anteriores sacrificavam, sem nenhuma vergonha, para o enriquecimento de uma pequena elite”. O jornal ressalta alguns problemas dos governos do PT: uma reforma agrária limitada, um sistema político timidamente reformado, minado por escândalos de corrupção claramente condenáveis, além de programas ambientais decepcionantes. Mas aos olhos da direita brasileira, escreve o jornal, o verdadeiro crime de Lula foi ter reduzido as desigualdades com medidas de esquerda em um país sem pleno crescimento, onde o abismo entre ricos e pobres era profundo.
Para Lula, a crise é um problema mundial e o Brasil não poderia ter sido poupado, ressalta a desaceleração econômica dos Estados Unidos, da China, a crise financeira na Europa que resultou no Brexit, a questão dos refugiados, uma crise que, para ele, também é de “natureza moral, não somente econômica ou política”. No Brasil, diz Lula, “há um processo de luta contra a corrupção”, a Lava-Jato, que, ressalta, foi realizada durante o governo do PT, que também investiu na formação da polícia federal e na criação da Controladoria Geral da União, em uma maior autonomia do ministério público, além do que prevê a Constituição, diz Lula. Mas, continua o ex-presidente, “às vezes a justiça está mais preocupada em aparecer nas capas dos jornais do que fazer seu trabalho corretamente”.
Lula não poupa críticas à Michel Temer, a quem repetidamente chama de golpista. “Como presidente interino, ele deveria ter reunido os ministros de Dilma e ter se contentado em coordenar políticas que já estavam em prática. Mas agiu como se o processo de impeachment já tivesse sido finalizado, demitindo desde o ministro da Justiça até o rapaz que servia café”, diz, ressaltando “como se Dilma não existisse mais, como se Temer não tivesse feito parte de seu governo quando foi seu vice-presidente durante cinco anos”.
Sobre a grande questão que não quer calar, se Lula será ou não candidato em 2018, o líder do PT é reticente. Diz que já tem 70 anos e a idade é “implacável”. “Vou ver como estarei até lá”, diz, avisando: “se houver risco contra nossas políticas sociais, eu me apresentarei”.
Questionado por Libé sobre os Jogos Olímpicos do Rio, Lula afirmou que “O Brasil deve agir como um grande país, capaz de organizar tais eventos”. “Essas competições são uma oportunidade para promover o país, mesmo se elas abrem os olhos também sobre os nossos problemas. Isso não deve nos amedrontar, não se deve tentar esconder nossos pobres, retirá-los da rua como alguns estão fazendo”, publica o jornal francês, numa alusão do ex-presidente às recentes ações da prefeitura do Rio de Janeiro.
Além da entrevista com Luís Inácio Lula da Silva, a cobertura do jornal Libération traz também artigos críticos avaliando o desempenho do ex-presidente, uma análise temática por blocos com títulos como “Petrolão”, “Economia, a queda depois da euforia” e “Hidrelétricas e desmatamento”, além de uma série de fotos históricas contextualizando a matéria e uma reportagem produzida pela correspondente Chantal Rayes na periferia de São Paulo.