O Ministério Público Estadual de Alagoas (MPE/AL) teve seus argumentos aceitos e a ação penal ajuizada em 2014 contra o prefeito de Marechal Deodoro, Cristiano Matheus, vai continuar tramitando. Em decisão proferida no último dia 1º, o ministro Sebastião Reis Júnior, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), negou provimento a um agravo em recurso especial interposto pela defesa de Cristiano contra um acórdão do Tribunal de Justiça, que já havia negado um primeiro recurso do acusado, e ratificou o entendimento do MPE/AL sobre as acusações de fraude à licitação contra o gestor daquele Município.
Ao recorrer das acusações feitas pelo Ministério Público, o advogado Fábio Costa Ferrário de Almeida chegou a alegar que houve “violação ao princípio do devido processo legal e ao princípio do controle dos procedimentos investigatórios” porque teriam sido recolhidos documentos “com extrapolação dos limites da ordem judicial de busca e apreensão” e porque o Gecoc participou da apuração dos fatos, o que não poderia ocorrer porque a investigação é contra um agente político com foro privativo por prerrogativa de função.
Em sua decisão, o ministro Sebastião Reis Júnior apresentou contra-argumentos para os dois casos pontuados pela defesa, negando os pedidos feitos por ela. “O argumento invocado pela defesa é descabido para o caso vertente. Inicialmente, à luz das informações contidas nos autos, necessário destacar que, diversamente do que fora alegado pela defesa, o procedimento de investigação foi todo realizado pelo Ministério Público a partir de documentação apreendida na sede da Prefeitura da referida municipalidade. Portanto, o que ocorreu foi que os documentos legalmente aprendidos na sede do ente público demonstraram a presença de indícios de prática criminosa por parte do denunciado, levando o Gecoc a remeter cópia dos autos ao procurador-geral de Justiça, que, por já dispor de elementos capazes de formar sua opinio delicti, ofereceu de logo a denúncia, dispensando, inclusive, inquérito policial, conforme facultam os arts. 39, §5º, e 46, §1º, ambos do Código Penal”, alegou o magistrado.
Com essa mais recente decisão do STJ, fica proibido o trancamento prematuro da ação penal e o processo, a partir de agora, vai seguir sem trâmite legal.
Controle dos procedimentos
O advogado de Cristiano Matheus também reclamou de algumas provas acostadas à ação penal, alegando que elas não teriam sido adquiridas nos locais de cumprimento dos mandados de busca e apreensão. Sobre isso, o ministro decidiu: “Não prosperam as alegações de que é nula a interceptação telefônica realizada no inquérito policial originário, autorizada pela Justiça Federal, e de que se cuida da utilização de prova emprestada não relacionada às mesmas partes, pois se trata do fenômeno do encontro fortuito de provas, que consiste na descoberta imprevista de delitos que não são objeto da investigação, admitida pela jurisprudência deste Superior Tribunal. Assim, não pode prosperar a alegação de que o Ministério Público teria violado o princípio do controle dos procedimentos investigativos, até porque a Lei Complementar n.º 75/90 diz competir ao Ministério Público, para o exercício das suas atribuições institucionais, ‘realizar inspeções e diligências investigatórias’. Compete-lhe, ainda, notificar testemunhas, requisitar informações, exames, perícias e documentos às autoridades da Administração Pública direta e indireta e requisitar informações e documentos a entidades privadas”, argumentou Sebastião Reis Júnior.
“Assim, mostrou-se válido o procedimento investigatório promovido pelo Ministério Público, razão porque a tese de nulidade dos elementos de prova colhidos foi afastada. Nessa linha, não há que se falar em ilegalidade por extrapolação de mandado de busca e apreensão de objeto limitado, uma vez que, ainda que tenha sido especificada a finalidade dos mencionados mandados, admite-se o encontro fortuito de provas. […] Tem sido aplicada pelos Tribunais a teoria do encontro fortuito ou casual de provas (serendipidade), a qual é utilizada nos casos em que, no cumprimento de uma diligência relativa a um delito, a autoridade policial casualmente encontra provas pertinentes à outra infração penal, que não estavam na linha de desdobramento normal da investigação. Fala-se em encontro fortuito de provas, portanto, quando a prova de determinada infração penal é obtida a partir de diligência regularmente autorizada para a investigação de outro crime”, completou ele.
Ação penal
Em 12 de agosto de 2014 foi ajuizada, perante o Tribunal de Justiça de Alagoas, uma ação penal contra o prefeito da cidade de Marechal Deodoro, Cristiano Matheus. Ele é acusado da prática de três ilícitos: fraude em processo licitatório (Lei nº 8.666/93), formação de quadrilha (Código Penal) e crime de responsabilidade de prefeitos e vereadores (Decreto-lei nº 201/61), o que gerou um prejuízo de mais de R$ 1,3 milhão aos cofres públicos. O Ministério Público Estadual de Alagoas inclusive, solicitou, à época, o afastamento do gestor do cargo. A denúncia foi proposta pelo procurador-geral de Justiça, Sérgio Jucá, pelo subprocurador-geral Judicial, Antiógenes Marques de Lira, pelo então promotor e coordenador do Grupo Estadual de Combate às Organizações Criminosas (Gecoc), Alfredo Gaspar de Mendonça, e pelo assessor técnico e promotor de Justiça Vicente José Cavalcante Porciúncula.
De acordo com a ação, durante os anos de 2009 a 2013, diversas despesas foram realizadas pelo Município em favor da empresa L.Carvalho da Silva Produções – ME, que, supostamente, teria realizado serviços de locação de equipamentos – palco, tenda, banheiros químicos, iluminação, gerador e portal de entrada com estrutura de alumínio – para uma festa, em 2009, em homenagem a Nossa Senhora da Conceição, padroeira daquela cidade. A empresa também teria sido contratada para fornecer as orquestras Carlos Gomes, Santa Cecília, Manoel Alves, Pica-pau e Estação do Frevo, para se apresentarem em blocos carnavalescos durante o carnaval de 2013.
Entretanto, ao analisar os contratos e ordens de pagamento, observou-se que três processos de licitação e 19 processos de pagamento foram dolosamente fraudados, em clara afronta aos preceitos contidos na Lei 8.666/93 e no Código Penal. O prejuízo estimado ao erário municipal foi de vultoso R$ 1.342.081,00.
E o prefeito não responde sozinho por todas as acusações. Em abril de 2014, o Gecoc ofereceu denúncia, na primeira instância, contra Robério Limeira de Lucena, José Albérico de Souza Azevedo, José Roberto Lessa Peixoto, Givanildo Mendes da Silva, José Jorge Bastos de Melo, Augusto César Andrade Cruz, Flávia Viviane Ribeiro Costa, Sônia Maria dos Santos Amaral e Antônio Vieira da Silva Filho, que trabalhavam na Prefeitura de Marechal Deodoro na ocasião da prática dos mesmos ilícitos.
A ação penal foi ajuizada junto a 17ª Vara Criminal da capital, inclusive, com pedido de prisão preventiva contra todos eles. O grupo foi denunciado pelos crimes de peculato furto, falsificação de documento particular, falsidade ideológica, uso de documento falso, fraude em licitação e formação de quadrilha. Dentre todos os acusados, apenas Givanildo Mendes não foi acusado de fraude em licitação e, José Jorge, do crime de peculato furto.
À denúncia, o Gecoc anexou 121 documentos. Ela foi assinada pelos promotores de Justiça Alfredo Gaspar de Mendonça – à época, coordenador do Gecoc, Antônio Luiz dos Santos Filho, Hamílton Carneiro Júnior, Luiz Tenório Oliveira de Almeida, Elísio da Silva Maia Júnior e Givaldo Barros Lessa.