O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu nesta terça-feira (15), por 4 votos a 1, manter a ação penal contra Sarí Corte Real pela morte do menino Miguel Otávio Santana da Silva. O julgamento foi marcado pelo voto do ministro João Otávio de Noronha que afirmou que não ficou configurado no caso o abandono de incapaz e que a morte do menino “não era previsível”, mas acabou sendo derrotado pelos colegas.
Miguel morreu em junho de 2020, quando caiu do nono andar de um prédio de luxo no Recife, em Pernambuco. Segundo as investigações, a empregada doméstica Mirtes Renata de Souza levou o cachorro da família para passear e deixou o filho aos cuidados da patroa, Sarí Corte Real.
Imagens do circuito interno de segurança mostram que Miguel entrou no elevador pelo menos cinco vezes. Na última, segundo a polícia, Sarí acionou a tecla do elevador que dá acesso à cobertura. O elevador parou no nono andar. A criança passou por um corredor, escalou uma parede, subiu em um condensador de ar e caiu de uma altura de 35 metros.
Durante a investigação, a polícia mudou a acusação contra Sarí: de homicídio culposo, com pena de até três anos, para abandono de incapaz que resultou em morte, com pena de até 12 anos de prisão. Com dois agravantes: a vítima ser criança e a morte ocorrer durante período de calamidade pública, a pandemia da Covid-19.
Em seu voto, João Otávio de Noronha disse que a patroa não poderia ter impedido que o menino entrasse no elevador puxando “pelos colarinhos”, e que não era previsível que o menino iria “pular o muro, dando causa à própria morte”.
Ao STJ, a defesa de Sari Corte Real argumentou que ela, mesmo cuidando de Miguel, não poderia ser considerada na figura de “garante”, prevista no Código Penal. A legislação estabelece que a pessoa com dever de garante assume uma responsabilidade de evitar danos.
Em um crime de omissão, como o abandono de incapaz, é possível responsabilizar o “garante” que abandonou pessoa sob seus cuidados.
Voto do ministro
Por 4 votos a 1, a Quinta Turma do STJ rejeitou o recurso da defesa. O julgamento foi marcado pelo voto do ministro João Otávio de Noronha, que acolheu o recurso e votou para encerrar a investigação, sendo derrotado pelos colegas.
Noronha concordou com os advogados. O ministro entendeu que ela não criou ou aumentou o risco e o resultado não era previsível.
“Depois é fácil dizer: foi negligente, ou assumiu a culpa. Ora, quem vai prever que uma criança que teima entrar no elevador, aperta os botões, sai correndo, ainda vai sair dele, pula o andar, que não era nem previsível, pular o muro, dando causa à sua própria morte, como ocorreu no caso”, afirmou João Otávio.
O ministro disse ainda que Sari Corte Real não poderia ter impedido o menino de acessar o elevador.
“Qual a conduta esperada de terceiro sem nenhuma relação de autoridade sobre uma criança nessa faixa etária, tendo assumindo repentinamente, momentaneamente sua vigilância, diante de uma reação positiva, desafiadora, vê-se na contingência de retirá-la à força do elevador? Seria legítimo, razoável o uso da força físico, correndo o risco de voluntariamente machucá-la? No caso concreto, justifica-se a imposição de sofrimento físico para impedir a vítima de usar o elevador? O uso do elevador por si só representa um risco juridicamente desaprovado? Era previsível, provável que o curso causal tomasse o rumo que seguiu? Alguém poderia prever que o menino sairia, pularia uma barreira, um muro?”, questionou.
O ministro citou trechos de relatos de testemunhas no processo, que afirmaram que o menino desobedecia à mãe. Ao longo do voto, também ressaltou a postura de Miguel, a que classificou, em um dos momentos, de “desafiadora”.
Maioria rejeitou recurso
O ministro Joel Ilan Paciornik abriu a divergência e afirmou que não era o momento de o STJ analisar a questão, que ainda precisa ser tratada em instâncias inferiores. O ministro ressaltou ainda que o crime de abandono de incapaz não tem relação exclusiva apenas com o resultado, sendo que a mãe do garoto repassou a guarda para a patroa.
O ministro Ribeiro Dantas afirmou que o risco para a vida do menino ocorreu com o elevador.
“Mesmo que a criança tivesse apertado para ir para o térreo, o risco era grande. A criança poderia ter saído do prédio e ser atropelada. Havia possibilidade de previsão ao meu sentir em tese que a criança não deveria ser deixada no elevador”, disse Dantas.
O desembargador convocado Jesuíno Aparecido Rissato, também afirmou que houve transferência da guarda momentânea.
“Quando a empregada doméstica deixou criança de cinco anos aos cuidados da patroa, a pedido dessa, ela confiava realmente que a patroa fosse cuidar, como ela cuidaria. Se ela não tivesse confiança, teria levado a criança contigo. Houve uma transferência de guarda momentânea e deixar uma criança de cinco anos no elevador é perigo inerente. Criança nessa idade não tem noção para onde ir, não sabia qual botão apertar”, disse Rissato.