Com quórum baixo na sessão, Lira desiste de votar PEC que cria benefícios em ano eleitoral

Presidente da Câmara avaliou que a presença de 427 dos 513 deputados colocava em risco a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição, que exige pelo menos 308 votos favoráveis.

Devido ao quórum considerado insuficiente (427 dos 513 deputados presentes por volta das 19h30), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) decidiu adiar para a próxima terça-feira (12) a votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que, em ano eleitoral, cria benefícios sociais para a parcela pobre da população e para algumas categorias profissionais.

O adiamento é interpretado pela oposição como uma derrota para o governo, que tentava concluir a votação desta matéria antes do fim desta semana, a fim de tentar viabilizar o início do pagamento dos benefícios até 1º de agosto.

A medidas previstas na PEC (veja mais abaixo) devem resultar em um gasto não previsto de R$ 41,2 bilhões e exigirão a decretação de um “estado de emergência” no país a fim de contornar a legislação, que proíbe a geração de novas despesas em ano eleitoral. Antes de o governo passar a defendê-la, a proposta foi apelidada de “PEC Kamikaze” pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que considerava o texto original “suicida” por representar risco às contas públicas.

Lira disse não querer “arriscar” a votação dessa PEC com o número de parlamentares presentes na sessão desta quinta (427). De acordo com a Constituição, a aprovação de uma PEC exige, pelo menos, 308 votos favoráveis. A oposição vinha pressionando contra a proposta por considerar que é uma tentativa ilegal do governo de impulsionar a pré-campanha à reeleição do presidente Jair Bolsonaro.

“Só para esclarecer, não vou arriscar nem essa PEC nem a próxima PEC [que trata do piso salarial para os enfermeiros] com esse quórum na Câmara hoje, 427 [deputados]. Nada mais havendo a tratar, vou encerrar os trabalhos”, disse Lira.

Antes do fim da sessão, os deputados aprovaram com 303 votos a favor um requerimento para encerrar a discussão e começar a votação da matéria. Feito a pedido do governo, o requerimento serve de “termômetro” para apurar a presença em votações desse tipo. Embora aprovado, indicou que os votos favoráveis poderiam não ser suficientes para a aprovação da matéria.

Manobras

Aliado do Planalto, Arthur Lira articulou uma série de manobras regimentais para aprovar a matéria ainda nesta semana, convocando inclusive uma sessão plenária às 6h30 desta quinta-feira, com duração de menos de um minuto, para viabilizar a votação da proposta em uma comissão especial. Devido a um pedido de vista, a votação nessa comissão, etapa anterior ao plenário, exigia um prazo de duas sessões do plenário após a leitura do relatório.

As manobras para acelerar a tramitação da proposta consistiram em:

anexar a PEC a uma outra proposta de emenda à Constituição, que trata de incentivo a biocombustíveis e que já havia passado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Com isso, o texto pulou uma etapa e já foi para análise em comissão especial;

convocar uma sessão extraordinária na manhã desta quinta com o objetivo de ajudar na contagem do prazo de duas sessões para a votação do texto na comissão especial;

manter o texto aprovado no Senado. Isso porque, caso o teor fosse modificado, a PEC precisaria voltar para uma nova análise dos senadores, o que atrasaria a promulgação e o pagamento dos benefícios patrocinados pelo governo.

No início da sessão, deputados independentes e de oposição apresentaram questões de ordem ao presidente da Câmara, argumentando que as manobras para adiantar a votação da proposta não eram regimentais.

“Com o apensamento realizado, a PEC 1 de 2022 [PEC Kamikaze] está burlando a previsão regimental de ter analisada a sua admissibilidade pela CCJ, que precisa minimamente se manifestar sobre a fundamentação constitucional do tema que afeta [temas] graves e sensíveis, como gastos públicos na eleição”, argumentou o deputado Thiago Mitraud (Novo-MG).

Lira negou essa e as outras questões de ordem e argumentou que a junção de uma proposta a outra é uma “faculdade, não obrigação” e que, por isso, daria “margem discricionária” para o presidente da Casa decidir sobre o tema.

Mesmo favoráveis ao conteúdo da matéria, deputados da oposição argumentam que a medida, às vésperas do pleito e com prazo determinado para acabar (até o fim do ano) é uma manobra “eleitoreira” para conquistar votos para a reeleição do presidente Jair Bolsonaro.

“O presidente Bolsonaro e a sua base descobriram hoje que quem tem fome tem pressa. Quem tem fome tem pressa há muitos meses, há muitos anos. Há pressa não começa em 1º de agosto e não termina em 31 de dezembro, porque é isso que vocês estão propondo com essa PEC”, criticou a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP).

Aliados do governo argumentam que aplicar o estado de emergência para este ano se justifica, principalmente, em razão do “efeito dominó” da pandemia e devido à guerra entre Rússia e Ucrânia.

“Falar em destruição do fiscal aqui não é razoável. Nós arrecadamos sobre combustíveis, nós arrecadamos sobre royalties, sobre participações especiais, nós arrecadamos sobre dividendos da Petrobras, sobre comercialização de óleo excedente do pré-sal valores que superam R$ 68 bilhões acima do orçado. Se isso não sensibiliza os parâmetros de qualidade fiscal, o Parlamento deve refletir sobre essas regras, mas não aceitar a pecha de que aqui se fura o teto por qualquer razão”, disse o deputado Christino Áureo (PP-RJ).

Senado e STF

O texto já foi aprovado no Senado, no último dia 30. Na manhã desta quinta, foi aprovada na comissão especial da Câmara que analisou o assunto. A oposição vê na PEC uma ação eleitoreira do governo. Ressalta que as medidas só valem até o fim do ano e, além disso, vão comprometer as contas públicas. Mesmo assim, no Senado, os oposicionistas votaram a favor do texto.

Nesta quinta, o deputado Nereu Crispim (PSD-RS) ingressou no Supremo Tribunal Federal com uma ação para suspender a tramitação da PEC. O ministro André Mendonça rejeitou o pedido.

O que a PEC prevê

Saiba o que a proposta prevê, até o fim deste ano:

Auxílio Brasil: ampliação de R$ 400 para R$ 600 mensais e previsão de cadastro de 1,6 milhão de novas famílias no programa (custo estimado: R$ 26 bilhões);

Caminhoneiros autônomos: criação de um “voucher” de R$ 1 mil (custo estimado: R$ 5,4 bilhões);

Auxílio-Gás: ampliação de R$ 53 para o valor de um botijão a cada dois meses — o preço médio atual do botijão de 13 quilos, segundo a ANP, é de R$ 112,60 (custo estimado: R$ 1,05 bilhão);

Transporte gratuito de idosos: compensação aos estados para atender a gratuidade, já prevista em lei, do transporte público de idosos (custo estimado: R$ 2,5 bilhões);

Auxílio para taxistas: benefícios para taxistas devidamente registrados até 31 de maio de 2022. O valor total dessa medida será de até R$ 2 bilhões.

Alimenta Brasil: repasse de R$ 500 milhões ao programa Alimenta Brasil, que prevê a compra de alimentos produzidos por agricultores familiares e distribuição a famílias em insegurança alimentar, entre outras destinações

Etanol: Repasse de até R$ 3,8 bilhões, por meio de créditos tributários, para a manutenção da competitividade do etanol sobre a gasolina.

Fonte: g1

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