Um vigilante que trabalhava no Tribunal de Justiça respondeu por 13 anos por um assalto à mão armada. Depois de todo esse tempo, ele foi preso e condenado a 6 anos e meio de prisão. Mas uma revisão criminal constatou que elementos do próprio processo comprovavam a inocência dele. E que toda a acusação se baseava em um reconhecimento, sem nenhuma outra prova.
Sidinei de Souza Santos Júnior é negro, pobre, trabalhador e mora na periferia. E é mais um homem com essas características, preso injustamente, que entrou para uma triste estatística.
Sidinei agora está livre, mas vai carregar por toda a vida as marcas dos seis meses no Complexo de Bangu.
“Foi uma coisa muito chata, complicada. Passei vários momentos difíceis lá. Chorei muito. Achava que isso não estava acontecendo comigo. Pensava nos meus filhos, na minha família, mas acreditava que Deus ia me dar a segunda chance, que eu ia conseguir provar minha inocência.”
Foram 14 anos para provar que era inocente. O pesadelo dele começou em abril de 2008.
Um carro a serviço do gabinete de uma juíza de São Gonçalo foi roubado na porta da casa do motorista dela, no bairro Barro Vermelho, também em São Gonçalo.
O motorista contou que saía de casa quando foi rendido por dois homens, que levaram o carro. Um mês depois, ele disse ter reconhecido um dos assaltantes no prédio do Tribunal de Justiça. Era Sidinei, que trabalhava como vigilante do TJ.
Quatro meses depois, ele fez o reconhecimento na delegacia. A esposa da vítima fez um reconhecimento apenas por foto. Todo o processo aconteceu a partir desses dois relatos, sem nenhuma outra prova.
O processo correu por 13 anos. E no final de 2021, Sidinei foi condenado pela 2ª Vara Criminal de São Gonçalo a 6 anos e meio em regime fechado por assalto à mão armada.
Ele foi preso e ficou até junho no Complexo de Bangu. Os recursos da defesa foram negados, até que a Defensoria Pública entrou com um pedido de revisão criminal.
No relatório da revisão, o desembargador Marcelo Castro Anátocles da Silva Ferreira considerou que uma condenação tem que ser “lastreada de certeza sobre autoria e a materialidade do crime.” E que as provas apresentadas no processo demonstram que não existem condições seguras para a condenação.
Segundo o relator, o Ministério Público não cumpriu o dever de comprovar a autoria do crime.
O desembargador citou ainda elementos que comprovam o álibi de Sidinei. Ele cita na decisão que o crime ocorreu no dia 11 de abril de 2008, uma sexta-feira, às 7h45, em São Gonçalo. E que a folha de ponto de Sidinei comprova que ele chegou no trabalho, no TJ, no Centro do Rio, às 9h.
Há ainda a confirmação da Fetranspor de que Sidinei embarcou no trem da Supervia na estação de Queimados, onde morava, às 6h59, o que ressalta o relator, “torna impraticável” que ele estivesse em São Gonçalo às 7h45. A distância entre as duas cidades é de aproximadamente 70 km.
“Eu tenho a agradecer a Deus também que eu estava indo trabalhar e estava na minha rota. E se eu tivesse em outro local? E se fosse sábado, não tivesse trabalhando, como seria, como eu conseguiria provar?”, disse.
Por unanimidade, o Terceiro Grupo de Câmaras Criminais anulou a pena e Sidinei foi solto.
“Cara, foi uma emoção assim. Eu me senti… eu era um passarinho na gaiola. Era um passarinho que tava ali preso e não conseguia sair. E quando saiu, não sabia pra onde ir. ‘O que ele faria?’ Eu não sabia que dia que era, se tava chovendo, se tava sol, não sei, eu só queria ver meus filhos, minha família.”
“Não bastasse toda a situação que ele teve que enfrentar perante a sociedade, a família, as dificuldades, durante esses quase 6 meses em que ele ficou recluso, ao voltar para o local de trabalho ele foi demitido por abandono de emprego”, contou o advogado de Sidinei, Pedro Gonçalves Júnior.
“Meu nome ainda tá sujo, eu tenho medo de sair na rua, pedir emprego e as pessoas verem que eu já fui preso, ex-presidiário, até provar que eu sou inocente, é difícil.”
“O caso do Sidinei é mais uma hipótese de erro em reconhecimento, mais uma hipótese de condenação injusta, mais uma hipótese que merece a reflexão sobre o prisma da seletividade penal. Ou seja, sobre o viés racial”, fala Lúcia Helena Oliveira, coordenadora de Defesa Criminal da Defensoria do Rio.
Sidinei pretende pedir uma indenização ao estado pelo tempo perdido e quer transformar a dor em luta.
“Espero ter minha dignidade de volta, meu nome de volta.”
O RJ1 tentou, mas não conseguiu contato com o Supermercado Rede Economia, que demitiu Sidinei por abandono de emprego quando ele foi preso.