Para protestar contra a aversão ao pobre, a chamada aporofobia, o padre Júlio Lancelotti se reuniu com voluntários nesta segunda-feira (12) para quebrar a marretadas pedras colocadas na frente da Biblioteca Cassiano Ricardo, no Tatuapé, Zona Leste de São Paulo.
De acordo com o padre, o ato teve como objetivo cobrar para que o Presidente da República sancione o projeto de lei que proíbe a chamada “arquitetura hostil”, construções para afastar pessoas do espaço público e dificultar o acesso de grupos como idosos, crianças ou pessoas em situação de rua.
A Câmara dos Deputados aprovou o projeto, de forma simbólica, no dia 22 de novembro deste ano. Ele também já foi aprovado pelo Senado e leva o apelido de “Lei Padre Júlio Lancelotti”. Agora, precisa ser sancionado pela presidência.
“A importância desse ato é um ato que quer iniciar a luta contra a aporofobia, removendo todas as intervenções hostis como iniciamos hoje aqui na Biblioteca Cassiano Ricardo. Com participação e apoio da biblioteca, retiramos todas as pedras para que seja marcado nosso apoio para que o presidente da República sancione a lei que está no Palácio do Planalto para que seja vetado uso de intervenção hostil na arquitetura”.
O sheik brasileiro Rodrigo Jalloul também participou do ato junto com o padre e voluntários. No lugar das pedras serão colocadas mudas de plantas.
“Esse combate à aporofobia é transformar São Paulo mais humana. Não dá para transformar em amor a cidade quando a arquitetura indica o ódio, o preconceito contra as pessoas mais pobres. Quando as pessoas em situação de rua são invisíveis. Pedimos que a lei seja sancionada”, diz.
No ano passado, o padre Júlio viralizou nas redes sociais ao protagonizar uma cena em que tentava quebrar pedras instaladas pela prefeitura de São Paulo embaixo de um viaduto. Em 2021, o papa Francisco também denunciou a chamada “arquitetura hostil” contra os mais pobres.
A palavra aporofobia passou a ser difundida pela campanha do padre Júlio Lancellotti contra as cidades que a praticam. Ele conta que recebeu centenas de imagens de aporofobia no país.
O que diz o projeto de lei?
O projeto de lei aprovado trata especificamente dessas instalações em áreas públicas – feitas pela prefeitura ou por associações de moradores, por exemplo. O texto não proíbe instalações similares em espaços privados, como as cercas elétricas de condomínios ou as grades pontiagudas de lotes residenciais.
Relator da matéria na Comissão de Desenvolvimento Urbano, o deputado Joseildo Ramos (PT-BA) sugeriu trocar o termo “arquitetura hostil” por “técnicas construtivas hostis”.
Segundo ele, “a palavra arquitetura deve preservar o seu sentido de arte e técnica de criação de ambientes para proporcionar bem-estar e qualidade de vida ao ser humano”.
A proposta altera o Estatuto da Cidade para proibir “o emprego de materiais, estruturas equipamentos e técnicas construtivas hostis que tenham como objetivo ou resultado o afastamento de pessoas em situação de rua, idosos, jovens e outros segmentos da população.”
O texto também inclui como diretriz geral da política urbana a promoção de conforto, abrigo, descanso, bem-estar e acessibilidade na fruição dos espaços livres de uso público, de seu mobiliário e de suas interfaces com os espaços de uso privado.”
Joseildo Ramos afirmou, em seu parecer, que a pandemia da Covid-19 agravou o distanciamento entre os espaços públicos e pessoas em situação de rua.
Paralelamente, segundo o parlamentar, passou a ser mais evidente a adoção de métodos e materiais para afastar as pessoas dos espaços públicos – técnicas que, o deputado ressalta, resultam em “segregação social”.
“Infelizmente, o Brasil possui exemplo de aplicações dessas técnicas, as quais vêm sendo implantadas pelo menos desde 1994, quando aqui surgiu a expressão ‘arquiteturas antimendigo'”, escreveu em seu relatório.
Para o deputado, as medidas são “extremistas, hostis e cruéis para todos os ocupantes da cidade” e “privilegiam o isolamento, o desconforto, o medo e, com isso, estimulam a violência”.