A família real é um dos grupos mais ricos da Inglaterra. “A Firma”, como começou a ser chamada no tempo de George VI, pai de Elizabeth II, são os membros de um império de US$ 28 bilhões que injeta centenas de milhões de libras na economia do Reino Unido todos os anos.
Apesar disso, se engana quem acredita que a família real britânica é autossustentável. Assim como no Brasil, onde o cidadão contribui, por meio de impostos, para o pagamento dos salários de deputados, vereadores e outros membros do Judiciário e do Executivo, por lá não é muito diferente. No Reino Unido, contudo, o repasse é anual, e feito de maneira não-direta.
Subsídio Soberano
A principal fonte de renda da Firma é o Sovereign Grant (Subsídio Soberano, da tradução do inglês). Em linhas gerais, o governo britânico fornece anualmente ao monarca um pagamento financiado pelo contribuinte, que serve para cobrir os custos dos deveres oficiais da monarquia.
No ano fiscal de 2021-2022, o valor pago à Coroa foi de 86,3 milhões de libras. Geralmente esse valor é utilizado para manutenção dos castelos, salários de funcionários e viagens oficiais. O custo de segurança não entra nessa conta.
O subsídio consiste em 15% do lucro do Crown Estate, fundo criado em 1760 pelo rei George III. Ele engloba propriedades da Coroa que não são de posse da família real nem do Estado, tendo uma natureza semi-pública.
Atualmente, o Crown Estate tem 16,4 bilhões de libras em patrimônio líquido. O grosso (14,2 bilhões) está em imóveis e propriedades, que são alugadas ou recebem royalties de exploração, sendo a principal delas o turismo. Uma grande parte do centro de Londres, por exemplo, faz parte desse portfólio.
Segundo dados oficiais do Relatório Anual e Contas para 2021 e 2022, alguns gastos foram:
- £ 37,1 milhões (R$ 222,9 milhões) em projetos de construção;
- £ 4,7 milhões (R$ 28,2 milhões) em despesas com viagens;
- £ 900 mil (R$ 5,4 milhões) em eletricidade;
- £ 1,7 milhão (R$ 10,2 milhões) em comidas e bebidas;
- £ 2,3 milhões (R$ 13,8 milhões) em limpeza e lavagem de roupas;
- £ 10,5 milhões (R$ 63 milhões) em serviços diversos como telecomunicações.
Vale dizer que, caso os 15% de lucro anual fiquem abaixo do total pago ao monarca no ano anterior, é obrigação do Estado complementar a bolsa para ser, no mínimo, igual do ano em que se passou.
Isso aconteceu em 2022, devido à queda de lucro do Crown Estate. Parte do prejuízo foi causado pela queda na receita vindas da compra de ingressos de visitantes nos palácios reais, devido à pandemia.
De maneira geral, o total gasto pela família real, dividido pelo total de contribuintes britânicos, gira em torno de 1 libra (R$ 6) por mês, podendo custar mais conforme os lucros obtidos ano a ano.
Ducados reais
A riqueza privada da Coroa vem principalmente pelos lucros de dois ducados. O primeiro, chamado Ducado de Lancaster, consiste em um portfólio de terras, propriedades e bens que são administradas de forma separada do patrimônio da monarquia. O rei Charles III herdou essa propriedade após a morte da rainha Elizabeth II.
A propriedade privada existe desde 1265, e é avaliada em cerca de 653 milhões de libras (US$ 764 milhões), segundo contas mais recentes. A receita obtida por meio do Ducado cobre os custos oficiais não atendidos pelo Subsídio Soberano, e ajuda a sustentar outros membros da família real.
O segundo ducado, da Cornualha, pertence ao príncipe de Gales. Como dita a tradição, o título passou para William, o próximo na linha de sucessão.
Criada em 1337 pelo rei Eduardo III, a propriedade vale cerca de 1 bilhão de libras (US$ 1,2 bilhão). O ducado possui um amplo portfólio de terras e propriedades cobrindo cerca de 567 quilômetros quadrados, a maior parte no sudoeste da Inglaterra.
Apesar das grandes somas, o monarca e seu herdeiro são restritos em quanto podem se beneficiar pessoalmente de suas fortunas.
O rei só pode gastar o Subsídio Soberano em deveres reais. E nem ele, nem seu herdeiro podem se beneficiar da venda de ativos em seus ducados. Qualquer lucro das alienações é reinvestido na propriedade, de acordo com um documento publicado pelo Institute for Government’s (IfG), um Think Tank britânico.
O Tesouro do Reino Unido também deve aprovar todas as grandes transações imobiliárias, disse o IfG.
Ainda assim, ao contrário do Subsídio Soberano gerado pelo Crown Estate, ambos os ducados são fontes privadas de riqueza, o que significa que seus proprietários não são obrigados a fornecer detalhes além de relatar sua renda. A rainha Elizabeth e o rei Charles III pagam, voluntariamente, imposto de renda desde 1993.
Heranças pessoais
Com a morte da rainha Elizabeth II, sua herança pessoal — bens e materiais herdados ou adquiridos em vida por ela e por sua família — passam à frente.
Apesar dos valores serem privados, segundo o Jornal britânico Sunday Times, a rainha tinha uma carteira de investimentos que consistia, em sua maior parte, de ações de empresas britânicas, avaliada em 110 milhões de libras.
A Forbes estimou no ano passado que a fortuna pessoal da falecida monarca valia US$ 500 milhões, composta por suas joias, coleção de arte, investimentos e duas residências, Balmoral Castle, na Escócia, e Sandringham House, em Norfolk (Norte da Inglaterra). A rainha herdou ambas as propriedades de seu pai, o rei George VI.
Ainda que existam suposições, esse valor é incalculável, dado que está fora de controle público.
A família real gasta mais do que gera lucro?
À CNN, Marcus Vinicius Freitas, especialista em relações exteriores e professor visitante na China Foreign Affairs University, explica que a monarquia britânica gera mais dinheiro do que despende.
Grande parte desse lucro vem do culto às tradições que a rainha manteve nos seus 70 anos de reinado. “Todo mundo vai para Londres para ver a Guarda Real, comprar objetos da rainha, todo mundo quer passar pelo palácio”, afirma o professor.
“Em Londres, você vê muitas vezes na porta das lojas selos outorgados ou pelo príncipe de Gales [agora rei Charles III], pelo príncipe Philip ou pela rainha Elizabeth II como fornecedores da casa real. Então você sabe que aquele produto vendido é de qualidade. Isso gera movimento para o comércio, e todos do comércio querem os selos, porque é importante ser fornecedor reconhecido”, exemplifica.
O lucro também estaria no fato de que a família ajuda a manter milhares de instituições de caridade ou “empresta” o nome para conferir autoridade às instituições – uma outra espécie de selo.
Em comparação aos regimes republicanos, o professor explica que, em geral, há pouco patrocínio para causas em geral.
Ao longo dos anos, cresce a tendência de membros da família real gerando sua própria renda advinda de trabalhos comuns. Harry e Meghan se juntarão a muitos dos outros netos da rainha que trabalham fora da família real: a filha mais velha do príncipe Andrew, a princesa Beatrice, trabalha na empresa de software Afiniti, enquanto sua irmã, a princesa Eugenie, é diretora da galeria de arte Hauser & Wirth.
Zara Tindall, filha da princesa Anne, é uma equestre de sucesso. Seu irmão, Peter Phillips, trabalhou em gestão esportiva.