Estilista autodidata e analfabeto faz croquis a R$ 1 no RJ

Alba Valéria Mendonça/ G1Com o 'dom que Deus deu', Carlos faz croquis na rua em dez minutos

Com o ‘dom que Deus deu’, Carlos faz croquis na rua em dez minutos

Analfabeto, o morador de São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio, José Carlos Ribeiro Ferreira, de 34 anos, leva tempo e até hesita em escrever a letra “C”, de Carlos, como é chamado por todos. Mas em menos de dez minutos, com um dom natural que ninguém consegue explicar de onde vem, ele desenha maravilhosos croquis de vestidos prêt-a-porter, de casual chic e looks básicos de fazer inveja a qualquer estilista renomado.

Croquis que vende a R$ 1 para a felicidade das mulheres que passam pela calçada da Avenida Visconde do Rio Branco, no Centro de Niterói, toda sexta-feira. Sentado na calçada, com papéis e lápis de cor, ele desenha compulsivamente com habilidade que chama a atenção. Não há quem não pare para admirar a “arte” de Carlos.

“Desenhar, para mim, é fácil. É um dom que Deus me deu, vem tudo da minha cabeça. Faço isso desde muito pequeno. Sempre gostei de moda. Quando criança fazia vestidinhos de recortes de jornal para as bonecas da minha mãe. Ninguém me ensinou, fui fazendo sozinho”, conta Carlos, com uma ingenuidade e uma simplicidade que cativam até a cliente mais exigente.

Carlos revela entre um croqui e outro, que sua musa inspiradora é a apresentadora Xuxa, para quem gostaria desenhar roupas para ela usar nos programas de TV.

“Se soubesse costurar, queria fazer roupas para a Xuxa. Ela usa umas roupas muito bacanas”, diz Carlos.

Enquanto desenha, Carlos, caçula de três filhos de uma família muito humilde, conta que perdeu o pai quando tinha 3 meses de vida e que a mãe, que trabalhava o dia inteiro para sustentar a família, não teve condições de colocá-lo na escola.

Sem estudo algum, trabalhou como cozinheiro numa lanchonete até que três anos atrás sofreu um acidente de trabalho que lhe deixou hospitalizado por meses e lhe rendeu uma aposentadoria por invalidez. Carlos tem uma prótese no fêmur direito, que não lhe permite ficar em pé por muito tempo.

“Fiquei deprimido e comecei a desenhar. Um dia, me sentei diante da loja, em São Gonçalo, e vi um manequim sem roupa. Comecei a fazer uma roupa para ele e fui desenhando, desenhando. Um amigo me viu e disse que eu podia ser um grande estilista. Mas eu não entendo nada de tecido, não sei costurar e como não sei ler nem escrever, preciso de alguém que me ensine a tirar meus modelos do papel”, conta candidamente.

Há três meses, já imbuído do espírito de “estilista de rua”, decidiu sentar na frente de um grande magazine em Niterói. Como seus croquis faziam sucesso, decidiu vendê-los a R$ 1 para conseguir um dinheirinho para comprar papel e lápis. Até que foi descoberto por sua maior incentivadora, a estudante de mestrado de neurociência da UFF, Deborah Lima e Silva, que resolveu divulgar o trabalho de Carlos no Facebook.

“Depois disso, uma estudante de moda me procurou, comprou 80 desenhos de uma vez só. Agora, ela quer me levar para fazer palestra na faculdade de moda, onde ela estuda. As pessoas passaram a me ver mais o meu trabalho e estou vendendo mais” diz Carlos, que antes de ser envolvido na rede social faturava em média R$ 40 a cada sexta-feira, com seus croquis.

Dos mais de mil desenhos que já fez na vida, ele conta com alegria que pelo menos um de seus desenhos se transformou num vestido de baile de 15 anos. Para a amiga Valéria Rodrigues, que já o presenteou com material de desenho, ele fez um croqui de um vestido de noiva, como ela mesmo conta.

“Ele sabe ler a alma da gente. Eu parei para vê-lo desenhar, no dia que me separei. Estava observando e ele me disse: ‘você está triste, vou fazer um desenho pra você ficar feliz’. E me deu de presente o croqui de um vestido de noiva. Fiquei emocionada”, contou a moradora de Niterói, uma das muitas incentivadoras de Carlos.
A pedido da repórter do G1, Carlos desenhou um vestido de festa em menos dez minutos.

“Ele tem um decote discreto e alças não muito finas, para ficar elegante. E uma fenda lateral na saia que ajuda a alongar as pernas. Mas tem de usar um tecido mole para dar movimento. Tem uns bordados também, mas discretos. É um vestido longo, mas simples, mas que modela o corpo, como Chanel. E que você pode usar em outros lugares. Para ficar mais chique, tem uma capa, abotoada assim de lado. Depois de circular bastante pela festa, você diz que precisa retocar a maquiagem, vai ao banheiro e tira a capa. Todo mundo vai se espantar e achar que você está com outro vestido”, recomendou o estilista à repórter.

Agora, que Carlos transformou a calçada no Centro de Niterói numa passarela de fãs e curiosos, ele espera realizar um sonho: conhecer o apresentador Luciano Hulck e pedir para que ele a transformar os croquis em vestidos de verdade, exibidos numa passarela.

“Tenho 50 desenhos guardados, que não mostro para ninguém, só para este momento. Queria fazer um desfile assim que nem Chanel. O que mais gosto de desenhar são esses vestidos mais chiques. Queria conhecer os tecidos e poder fazer esses vestidos de verdade. Será que eu consigo? ”, sonha o “estilista de rua”, enquanto esboça um novo modelito.

Fonte: G1

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