Vende-se apartamento seminovo de 45 m², dois quartos, sala, banheiro, garagem, apenas um ano de uso. Pequena infiltração no forro do banheiro. Churrasqueira, salão de festas, área de lazer, segurança 24 horas, guarita. Próximo a hospital, escola e teleférico. Condomínio barato. Preço: R$ 25 mil. Local, residencial Parque das Acácias, avenida Barão de Itararé, Complexo do Alemão, Rio de Janeiro.
O anúncio passaria despercebido não fossem alguns detalhes. O imóvel foi pago com dinheiro público e entregue de graça ao morador/vendedor há menos de um ano e meio. Além disso, só estará legalmente disponível para venda cinco anos depois da entrega.
O residencial Parque das Acácias é um conjunto de apartamentos para onde foram transferidas, gratuitamente, famílias cujos barracos foram desapropriados para construção de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – como o teleférico do Alemão – ou estavam em área de risco de desabamento.
Na quinta-feira, dia 5 de janeiro, havia três unidades à venda por preços entre R$ 20 mil e R$ 40 mil. No vizinho Parque das Palmeiras um apartamento era oferecido para aluguel por R$ 450. Os imóveis, inaugurados em 2010, não são propriedade dos novos usuários até completarem cinco anos. Ainda assim, muitos aproveitam a valorização da região – principalmente desde a ocupação policial da área, em novembro de 2010 – para lucrar com a venda das unidades.
“É como se fosse emprestado”, contou um morador à reportagem. “Acho muita coragem comprar ou vender um imóvel aqui”, disse outro
Custo alto
A reportagem do iG conversou com a proprietária de um dos apartamentos à venda. Sob a condição de manter o nome em sigilo, ela explicou que resolveu vender o imóvel porque não consegue pagar o condomínio de R$ 70,30. “Antes eu não pagava nada, só a conta de água. A luz era gato e o gás de botijão. Agora tenho que pagar este monte de contas, o gas é encanado, o condomínio não para de subir”, justificou a moradora, uma manicure desempregada que sustenta os dois filhos com R$ 250 mensais que recebe de programas sociais.
O plano dela é vender o apartamento, embolsar os R$ 25 mil e mudar para uma das casas no morro, desocupadas pela Defesa Civil por risco de desabamento, mas que até hoje não foram demolidas pela prefeitura. “Que desabamento que nada. Aquelas casas estão ali desde quando eu nasci. Não é agora que vão desabar”, diz a moradora, nascida e criada no Complexo do Alemão.
As casas interditadas pela Defesa Civil também são o destino do morador do Parque das Palmeiras que decidiu alugar o apartamento por R$ 450. “Morei lá a vida inteira. Não me acostumo com prédio de apartamento. Aqui a gente não tem privacidade. Tudo é proibido. Para usar a churrasqueira tem que pagar R$ 20. Lá no morro tinha a minha laje onde dava até para colocar uma piscina para as crianças no verão”, disse ele.
Os dois, no entanto, são exceção à regra. A grande maioria dos moradores dos conjuntos construídos pelo PAC no Complexo do Alemão está satisfeita e nem pensa em voltar para o morro. “Deus me livre! Na minha idade cheguei a pensar que nunca mais sairia da favela. Isso aqui é uma benção”, disse o aposentado Joaquim Guedes, 73 anos, que mora com a filha.
Além da nova realidade sem o violento tráfico do local, os apartamentos ficam no “asfalto” e bem localizados – na Estrada do Itararé, em Bonsucesso, e não na parte alta de nenhuma das favelas do complexo. Antes da intervenção urbana do PAC nas favelas e sob o domínio do tráfico de drogas, casas eram vendidas em lugares como o Morro do Adeus e a Vila Cruzeiro por valores que variavam de R$ 5 mil a R$ 15 mil.
A dona de casa Esmeralda Inácio Silva conta que ela e o marido, Edvan Lourenço, venderam uma casa onde moraram muitos anos por R$ 6 mil, antes de adquirir outra, na Barreira, no Adeus, por R$ 10 mil.
Com o PAC e a tomada dos complexos do Alemão e da Penha pelas forças de segurança, a região pacificada se valorizou, fazendo com que os preços dos imóveis novos, como os apartamentos do PAC, cheguem a valores elevados, comparáveis aos de casas na favela da Rocinha, que fica na zona sul da cidade.
Sonho
As 2.005 moradias construídas ou compradas pelo PAC no Complexo do Alemão são o sonho de vida de muitos dos 80 mil moradores da região. Apesar de muitas delas apresentarem problemas pouco tempo depois da construção. A reportagem visitou três apartamentos com falhas de encanamento. Dois apresentavam infiltrações. Outro teve o gesso do banheiro perfurado por um vazamento. Os problemas apareceram há seis meses, mas até agora não foram resolvidos.
Não existe, no entanto um padrão. O motociclista Fagner Costa, de 30 anos, que mora em um apartamento próximo a Nova Brasília, disse estar satisfeito. “Quando aparece algum problema eles consertam logo”, afirmou.
Na inauguração, em 2010, o conjunto recebeu a visita do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Colocaram um tapume nos fundos para o presidente não ver aqueles barracos ali embaixo”, disse Fagner, apontando para um conjunto de barracos de madeira amontoados à magem de um córrego próximo à antiga fábrida da Coca Cola, a menos de 200 metros do conjunto visitado por Lula. “Quando chove aquilo ali fica tudo submerso”, disse o motociclista.