Esta semana promete momentos singulares para a economia brasileira. A expectativa é que a taxa básica de juros do país (Selic), fixada pelo Banco Central, recue para patamares nunca antes registrados. Com isso, a poupança, pela primeira vez desde 1861, quando foi criada, passará a render menos que 6% ao ano.
Para completar, também serão conhecidos os votos dos diretores do Banco Central na definição dos juros – algo sem precedentes desde a criação do Comitê de Política Monetária (Copom) em 1996. Foram 166 reuniões do Copom sem detalhamento dos votos dos diretores da autoridade monetária. A mudança ocorre por conta da nova Lei de Acesso à Informação.
Taxa de juros nunca antes registrada
A decisão sobre a taxa básica de juros será conhecida no início da noite da próxima quarta-feira (30), após reunião de dois dias do Copom. A expectativa da maior parte dos analistas do mercado financeiro é que a taxa Selic caia de 9% para 8,5% ao ano. Se isso for confirmado, será o menor patamar da taxa de juros já atingido desde pelo menos 1986 – quando tem início a série histórica disponibilizada pela autoridade monetária. Até o momento, os menores juros já registrados, que vigoraram entre julho de 2009 e abril de 2010, foram de 8,75% ao ano.
O Copom tem argumentado que a crise financeira internacional possui "viés desinflacionário" e que, por isso, tem sido possível reduzir a taxa básica de juros sem comprometer o controle da inflação. Já foram feitos seis cortes consecutivos, desde agosto do ano passado, e a expectativa é que a sétima redução aconteça nesta semana.
Para 2012 e 2013, a meta central de inflação é de 4,5%, mas o IPCA pode oscilar entre 2,5% e 6,5% sem que o objetivo seja formalmente descumprido.
"A economia mundial está bastante mal. Isso gera um processo desinflacionário no mundo. Você tem um mundo diferente. Olhando há algum tempo atrás, você acharia que a atividade estaria se recuperando agora, por conta da defasagem da política monetária [cortes de juros já feitos desde agosto do ano passado]. Isso não está acontecendo", afirma Rodrigo Melo, economista da Mauá Investimentos, que também prevê corte dos juros para 8,5% ao ano na próxima semana.
Para ele, a economia está se recuperando de maneira muito lenta, ao mesmo tempo em que os preços das "commodities" (produtos básicos com cotação internacional, como petróleo, minério de ferro e alimentos) estão recuando, o que compensa em parte o repasse da alta do dólar para os preços – que tende, em sua visão, a ser "baixo". Além disso, com a inadimplência em alta, o crédito tende a não crescer tanto. Por estes fatores, Melo acredita que é possível que os juros permaneçam abaixo de 8,5% ao ano não somente em 2012, mas também em 2013.
‘Gatilho’ da poupança deve ser acionado e baixar rendimento
Caso a taxa básica de juros recue para 8,5% ao ano, a Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac) calcula que a poupança, pela primeira vez desde que foi criada em 1861, junto com a Caixa Econômica Federal, passe a render menos que 6% ao ano. Isso valerá somente para aplicações feitas de 4 de maio em diante.
Isso porque, pelas novas regras definidas pelo governo federal, a poupança passará a ser atrelada aos juros básicos da economia, rendendo 70% da aplicação, mais a Taxa Referencial.
Esse novo formato de rendimento da poupança será aplicado, porém, somente quando a taxa básica de juros, definida pelo Banco Central, atingir justamente 8,5% ao ano – o chamado "gatilho" para a mudança. Pela regra anterior, que vigorava desde 1991, a poupança não podia render menos de 6,17% ao ano, mais TR.
"A TR está próxima de zero. Se fosse hoje, com a Selic a 8,5% ao ano, a nova poupança já renderia menos de 6% ao ano. Como a regra mudou, a poupança vai render menos de 6% ao ano quando os juros atingirem 8,5% ao ano", diz Miguel Ribeiro, diretor-executivo de Estudos Econômicos da Anefac, ao G1.
Mesmo com a mudança das regras, a Anefac avalia, em estudo, que a modalidade continuará se destacando frente aos fundos de renda fixa por não ser taxada com Imposto de Renda e por não ter taxa de administração. "Este fato deverá provocar reduções nos custos das taxas de administração dos bancos para não perderem clientes", pondera a Anefac.
Juros reais próximos de 2% ao ano
Caso os juros básicos recuem para 8,5% ao ano, conforme previsão da maior parte dos analistas do mercado financeiro, o Brasil passará a ter juros reais (após o abatimento da inflação prevista para os próximos 12 meses) de 2,9% ao ano, segundo levantamento do economista Jason Vieira, da corretora Cruzeiro do Sul, em parceria com Thiago Davino, analista de mercado da Weisul Agrícola.
Com isso, a taxa ficará perto da meta da presidente Dilma Rousseff (2% ao ano), patamar que também é mais próximo da média internacional. A taxa real de juros de 40 países pesquisados pelos economistas está negativa em 0,6% ao ano.
"Considerando os cenários atuais, a posição do Brasil no ranking de juros reais em nada se altera, mesmo com a meta do governo de juros reais a 2% ao ano, atingíveis se as projeções médias de inflação se mantiverem aos 5,53% ao ano, e Selic aos 7,5% ao ano", informa Jason Vieira em seu estudo.