Desarticulada a máfia que fraudava dpvat no hospital

diariodonordeste.com.brA tranferência dos pacientes era o primeiro passo para a fraude.

A tranferência dos pacientes era o primeiro passo para a fraude.

Após uma investigação sigilosa iniciada há seis meses, a Polícia Civil, através do 4º DP (Pio XII), chegou a uma das ramificações da máfia do Dpvat no Ceará. O trabalho policial foi acessado, com exclusividade, pelo Diário do Nordeste. Trata-se de uma quadrilha que vem fraudando o seguro pago as vítimas de acidentes de trânsito.

Nove inquéritos foram instaurados e seis pessoas (identidades ainda não reveladas) indiciadas, entre elas, um médico ortopedista e a gerente de um hospital de Fortaleza onde os pacientes eram operados.

Acidente

Cinco de setembro de 2009, manhã de sábado. Em um cruzamento do Centro da Capital, o motociclista Zélio (nome fictício) sofreu um acidente. Uma colisão entre sua moto e um carro de passeio provocou uma fratura em sua perna. Zélio foi levado para o IJF. "Disseram que ia demorar uns 20 dias para eu ser operado", contou.

Foi quando uma jovem procurou pela mãe de Zélio, ainda no IJF, e disse que ela fosse até o Serviço Social do hospital pedir a transferência dele para o Hospital Gomes da Frota – atualmente ´LL Reabilitar´. Lá, ele seria submetido a uma cirurgia de imediato. Angustiada, a mãe do rapaz procurou agilizar a transferência e Zélio foi colocado em uma ambulância e levado ao hospital particular.

"Fui recebido por um enfermeiro. Ele usava bata e crachá do hospital. Disseram que eu tinha que providenciar logo um Boletim de Ocorrência (B.O.) do acidente, para dar entrada no seguro", relatou.

O irmão de Zélio foi até a delegacia plantonista mais próxima e fez o registro da ocorrência. Enquanto isso, Zélio assinava folhas em branco no hospital. "Eu achei estranho, desconfiei e não quis assinar. Mas me disseram que se eu não assinasse, não faria a cirurgia", contou. Trinta dias depois, quando Zélio retornou ao hospital para a revisão da cirurgia, perguntou à pessoa responsável, no hospital, como faria para receber o seguro. "O homem me disse que só teria acesso ao dinheiro quando tivesse alta médica".

Zélio achou mais estranho ainda quando recebeu uma correspondência do Banco do Brasil de que sua conta estava sendo encerrada por falta de movimentação. "Eu nunca tinha aberto aquela conta". Como Zélio, outras oito vítimas prestaram depoimento à Polícia. Somente o escritório de advocacia que acompanha o caso já identificou 340 contas que foram abertas na mesma agência bancária, em Fortaleza, nos últimos seis meses, para recebimento do seguro. Em cada conta, são depositados, em média, R$2,7 mil.

Conforme apurou a Polícia, as contas eram abertas pela internet e a documentação encaminhada posteriormente, munidas de endereços falsos das vítimas para que elas não soubessem da fraude.

Dinheiro

2,7 mil reais são depositados, em média, na conta de cada um dos pacientes que acabaram sendo lesados pelo bando. Além de sofrerem o acidente, acabaram tendo o seguro fraudado

ESTELIONATO
Pacientes induzidos a cair no golpe

"A quadrilha era bem dividida. Cada integrante tinha sua função definida. Aquele que primeiro tinha contato com o paciente era o que fazia o recrutamento", explica o delegado Munguba. Um dos envolvidos relatou à Polícia que fazia entre 40 e 50 processos do Dpvat por mês no mesmo hospital.

Segundo ele, integrantes do grupo que praticava a fraude usavam crachás com o nome do Dpvat, sem autorização, e convenciam o paciente ou os seus familiares a deixar o hospital em que estavam para ir para o ´Gomes da Frota´ (LL Reabilitar), situado na Avenida Aguanambi, Bairro de Fátima.

"As vítimas eram induzidas a entregar seus documentos e assinar procurações para que fosse providenciado o recebimento do seguro. Daí o relato de todas elas de que assinaram papéis em branco", relata Munguba. Em outro momento da fraude, uma conta era aberta em nome do paciente, sempre na mesma agência bancária, com endereço falso. Posteriormente, a conta era fechada. Para que o valor creditado fosse cada vez mais alto, o hospital superfaturava o preço dos exames e outros procedimentos médicos. "Além disso, havia cobrança de diárias a mais do que o período em que realmente a vítima ficou no hospital. Havia também cobrança de exames não realizados". No procedimento normal, previsto em lei, o acidentado arca com as despesas hospitalares e, posteriormente, é ressarcido pelo Dpvat.

Ambulância

A Polícia descobriu também que a ambulância utilizada para o transporte de pacientes de hospitais públicos – principalmente o IJF – para o ´LL Reabilitar´ era cedida pela empresa ´TRG´, que presta serviço ao hospital particular e fornece ao mesmo, com exclusividade, órteses e próteses. Em depoimento à Polícia, a gerente administrativa do hospital afirmou que, desde outubro de 2008, após acordo com a empresa TRG, o hospital atende vítimas de acidente,

UMA DENÚNCIA
Promotora pediu investigação do caso

A primeira denúncia sobre o golpe surgiu no dia 8 de março último e foi enviada ao 4º DP pela promotora de Defesa da Saúde Pública, Isabel Maria Salustiano Porto. No documento constava o relato de um paciente que havia sido vítima de acidente de moto e estava internado no IJF quando foi transferido para o Hospital Gomes da Frota (LL Reabilitar), para procedimento cirúrgico.

Em sua comunicação ao titular do 4º DP, a promotora destacava "a possibilidade de utilização indevida de valores referentes ao Seguro Obrigatório (Dpvat), devidos ao mencionado paciente a título de indenização pelos danos pessoais decorrentes do acidente".

O caso começou a ser apurado e, logo em seguida, outras oito denúncias chegaram às mãos do delegado Munguba. "Através do escritório do advogado Cândido Albuquerque. Representando o Dpvat, ele solicitou a abertura de mais oito inquéritos que denunciavam crimes que teriam sido praticados pelo mesmo hospital, que estava recebendo de forma fraudulenta o seguro dos pacientes".

Segundo Munguba, "nos nove inquéritos policiais instaurados, o crime é o mesmo e a maneira de executá-lo idêntica. As pessoas envolvidas também são as mesmas". Os inquéritos, que somam entre 150 e 160 páginas cada um, começam a ser remetidos à Justiça ainda nesta semana.

O começo

No dia 23 de fevereiro deste ano, o Diário do Nordeste publicou uma matéria sobre o caso do técnico em eletrônica Eduardo Dutra Coelho, 27. Ele havia quebrado a perna esquerda em duas partes, no dia 8 de janeiro, em um acidente de trânsito envolvendo carro e moto, e foi mais uma vítima da fraude para burlar o seguro obrigatório.

Coelho questionou na Justiça a liberação do seguro e sua queixa foi uma das que levaram o Ministério Público Estadual, através da promotora Isabel Porto, a cobrar providências. "O paciente não grave, mas que necessite de cirurgia eletiva, é o alvo da suposta quadrilha", afirmou a promotora, na época.

Outro paciente que passou pelo mesmo ´sufoco´ foi o motociclista Marcelo (nome fictício). No dia 3 de setembro de 2009 ele sofreu um acidente de moto e foi levado por uma ambulância do Samu para o IJF. De lá, foi transferido para o Hospital Gomes da Frota (LL Reabilitar). Marcelo contou para a Polícia que permaneceu internado por quatro dias e que foi submetido a uma cirurgia que só foi realizada depois que ele assinou vários papéis em branco. "No mês de março de 2010, fui procurado por um fiscal a serviço do Dpvat que me mostrou vários documentos enviados pelo Hospital Gomes da Frota a fim de efetivar o recebimento do seguro. Estranhei, pois os documentos continham endereços diferentes do meu", disse à Polícia.

Revelação

Na investigação do caso de Marcelo, o depoimento de uma mulher trouxe uma importante revelação. Ela trabalhou para uma prestadora de serviços para o Hospital Gomes da Frota (LL Reabilitar) e contou que, a partir de janeiro de 2009 notou que o referido hospital procedia de maneira irregular em caso de atendimento a vítimas de acidentes segurados pelo Dpvat". Durante toda a tarde, a Reportagem tentou contato com a direção do hospital, por telefone, mas não obteve resposta.

NATHÁLIA LOBO
SUBEDITORA DE POLÍCIA

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