Michael Jackson tinha primos em Anadia

É como um cheiro de terra molhada, que invade e inebria, nos deixa tonto, na boca como se de um beijo ardente provasse, um inesquecível perfume cheirasse, como se de um bom vinho tomasse. Esse sentimento verdadeiro sempre habita a minha imaginação quando começo a falar dos personagens da minha terra.

Não pense que vou buscar holofotes ou algum tipo de barganha, prestígio ou fama, exame de DNA, tanto pra mim como para o personagem central da minha conversa. Os poetas Almir Sater e Renato Teixeira cantam: “Cada um de nós compõe a sua história e cada ser em si carrega o dom de ser capaz”.

O protagonista desta minha história é o Fuloresta, negro, alto, com a cabeleireira tipo Black Power, ágil e veloz, dono de corpo atlético, doce criatura. Já o conheci jogando futebol, fazendo jogadas incríveis e encantando a todos que assistiam às partidas de futebol no estádio Coronel Augusto Porto em Anadia. A comemoração de seus gols era um espetáculo à parte. Mas, não fica só por aí, de invejável ginga, acredito que suplantava qualquer carioca ou baiano, até os treinados pelo Olodum.

No auge das paradas de sucesso estava o famoso Michael Jackson, suas músicas, seu estilo de dançar e vestir contagiava a todos nós. Lá na Zueira era onde a galera se encontrava pra curtir noitadas contagiantes e cheias de alegrias… E nesse espaço também brilhava o ritmo e a dança do Fuloresta, pobre, mas que sempre conseguia estar presente, com o figurino produzido por roupas que ganhava, mas que tinha um toque especial seu ao seu modo de vestir.

Como toda fama é fugaz, efêmera e passageira, em pouco tempo aquele corpo atlético do nosso personagem passou a apresentar deformação, suas pernas começaram a engrossar de forma assustadora, seu olhar já não apresentava o mesmo brilho. Algo não muito bom estava pra acontecer.

Saramandaia era a novela da época, com seus personagens curiosos, como dona Redonda, o velho Formiguento e o homem que voava, João Gibão. E porquê falar disso? O nosso astro tinha perdido a formosura, de repente apresentava sinais pra nos visíveis de precoce envelhecimento.

A música que também fazia sucesso era de Ednardo, “Pavão Misterioso” que em um dos versos diz: “Pavão Misterioso, pássaro formoso, tudo é mistério, neste teu voar, Aí se eu corresse assim, tantos céus assim, muita história eu tinha pra contar”…

Rapidamente a figura encantadora do Fuloresta passou a amedrontar, a ser rejeitada, não jogava mais, somente limpava as chuteiras dos times, servia de massagista, marcava o campo, prestava favores de levar recados, lavava pratos e panelas em casas de família, restaurantes e bares. Isso o levou a sofrer muito, ficou triste, com insônia, sempre encontrávamos com ele perambulando pela madrugada. Muitos afirmavam lhe ter visto em vários lugares ao mesmo tempo, como se fosse onipresente e esse mistério durou por muito tempo!

Quando em uma farra estávamos, logo ele aparecia, ficava por perto e somente a partir disto é que se revelou o drama particular do primo do Michael Jackson. Não suportou o anonimato, a doença e a falta de alimentação na infância, os dramas familiares e em conseqüência, o alcoolismo.

“Pavão misterioso” era assim que muitos passaram a chamá-lo e a canção que continua assim dizendo: “Nessa cauda aberta em leque, me guarda moleque, de eterno brincar, me poupe do vexame, de morrer tão moço, muita coisa ainda, quero olhar…”

Não conseguiu evitar a morte prematura, partiu moço, como muitos dos meus conterrâneos que perdemos na desumana luta contra a fome, a pobreza e o alcoolismo. Não sei ao certo, se é sua ou se ele ouviu nas músicas de Belchior, mas dizia repetidas vezes a mesma frase: “A culpa é do hipócrita, mentiroso e esperto ao contrário, que joga a pedra e esconde a mão”. Alguns imaginavam que estava em delírio.

Lá no começo citei a canção famosa que fala no tesouro que cada um de nós traz consigo e a beleza de se saber aproveitar, desfrutar do mesmo quando pela vida passamos… Com a ausência, a falta e a saudade do gracejo e leveza da criatura humana que teve uma enorme capacidade de produziu bons momentos, criar mistérios, ser prestativo, e como na novela, vôo para o infinito.

Era ele o nosso Michael Jackson daquela época!

(*) Ex-secretário de Estado e filho de Anadia.

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