Quem visita o acervo do Museu Marechal Floriano Peixoto, que já foi residência dos governadores e, até 2006, era onde funcionava o palácio do governo, desconhece que o mobiliário e quadros dos séculos XIX e XX são restaurados, há mais de seis décadas, pelas habilidosas mãos de José Severo de Oliveira, chamado carinhosamente de Palmeira. O marceneiro é o funcionário mais antigo do Palácio e, apesar dos 80 anos de idade, continua consertando os móveis, quadros e até as esculturas feitas em madeira.
Ele trabalhou muito tempo em Palmeira dos Índios, o que justifica o apelido, e conta com saudosismo que aprendeu o ofício com o pai (José Raimundo), que o introduziu na profissão, ensinando o passo a passo dos reparos nas peças de madeiras e como se tornar um profissional eficiente e respeitado. Ao ser questionado se alguma vez nestes muitos anos de labuta temeu ser substituído, ele não vacila e diz que nunca ouviu qualquer comentário sobre uma possível demissão e, tampouco, se sentiu ameaçado.
Em um passeio pelos Salão Nobre, Salão de Despachos e a antiga Residência do governo, Palmeira conta cada conserto que fez nos móveis e peças como se fosse um escultor. Com saudade estampada no semblante e com um olhar distante, ele diz que dividiu o ofício com o pai até o começo da década de 60 e que José Raimundo teria falecido aos 98 anos. De acordo com ele, a marcenaria é um dom passado de geração em geração, uma vez que o avô também trabalhava no ramo.
Mesmo aposentado, Palmeira driblou o ócio e continua consertando as peças centenárias do museu. Ele trabalha para uma empresa terceirizada que presta serviços ao Palácio. Ele se emociona ao falar que não mediu esforços para seguir a trajetória do pai, mas quando indagado pelos fatos curiosos que presenciou durante os 22 governos para quem trabalhou, ele é reticente e sai pela tangente.
“Quando comecei, aos 15 anos, meu pai disse que eu deveria evitar ser testemunha de qualquer situação ou confusão. Disse que onde tivesse muita gente reunida, eu saísse de fininho”, conta Palmeira, deixando claro que guardou o ensinamento e o aplica até os dias de hoje. Apesar de prudente, ele deixa escapar alguns fatos que remontam histórias dos bastidores da política às quais os mortais mais ilustres não têm acesso.
Entusiasmado, ele lembra que no fim do mandato de Silvestre Péricles entre 1950 e 1951, em campanha política, o então governador teria ordenado que os policiais (antes chamados de guardas civis) sujassem com fezes humanas a fachada do palácio, escadaria e móveis da dependência, onde aconteceria a solenidade de posse do seu sucessor ao governo, Arnon de Mello.
“Silvestre não queria deixar o Arnon de Mello assumir e mandou os policiais sujarem tudo, usando pincéis grandes”, recorda o marceneiro, entusiasmado por narrar parte da história política que os alagoanos desconhecem ou esqueceram. Travado em sua fala, como quem prefere não se comprometer com as consequências de suas revelações, Palmeira é mais ameno ao contar que, naquela época, ele e alguns funcionários do palácio moravam vizinhos ao trabalho.
Ele se refere às casas da Rua Melo de Moraes que, no último governo, cederam lugar à construção do estacionamento do Palácio. Eletricista, torneiro e outras categorias profissionais que ele diz não recordar, moravam nestas casas, sem pagar nada. “Eu morava com meu pai na parte de cima do Salão Nobre do antigo palácio. Tinha cama, cristaleira e outros móveis”, destacou.
Palmeira disse que viveu época de prestígio e glória, a exemplo do tempo em que tinha carro à sua disposição. Ele lembra que isso ocorreu nos governos de Silvestre, Arnon, Muniz, major Luis, Suruagy, Teobaldo Barbosa, Geraldo Bulhões e Moacir Andrade. Segundo sua avaliação, Arnon de Mello foi um dos governadores que mais se aproximou dos funcionários.
“Ele (Arnon) tratava todo mundo de forma igual e a gente se sentia muito bem”, disse Palmeira, soltando outro fato curioso. De acordo com ele, até o governo de Muniz Falcão (56 a 61) os governadores não tinham segurança particular, a exemplo dos seus sucessores. Com relação aos governadores que mais promoviam festas na residência oficial, ele cita o governador Luiz de Souza (o major Luiz), mas não entra em detalhes.
“Hoje em dia as festas são feitas no estacionamento e são mais abertas”, comparou. Palmeira disse que o governo de Divaldo Suruagy teria se destacado pela delicadeza com que atendia ao público interno e externo. “Ele sempre foi muito educado e duas vezes por ano dava farda aos seguranças, guardas e funcionários dos serviços gerais”, apressou-se em dizer, com o sentimento de gratidão explícito.
“É a primeira vez que sou entrevistado e me sinto valorizado”, disse o marceneiro, que foi homenageado na confraternização do Palácio, na última sexta-feira, e recebeu uma televisão pelos serviços prestados ao longo de décadas. O diretor administrativo e financeiro do Palácio, Marco Torres, disse que, ao assumir o cargo, há três anos, fez questão de quebrar a impessoalidade no tratamento dado aos funcionários e estabelecer um relacionamento de proximidade, sem fazer distinção de função.
“Todos são iguais e merecem o mesmo tratamento. O Palmeira tem história no Palácio, é um homem discreto, que não se envolve em conversas e trata as pessoas com educação”, disse Marco. A simplicidade do marceneiro destoa do suntuoso palácio que já foi palco de relevantes decisões políticas e que, em maio de 2006, tornou-se museu.