Morreu na tarde deste sábado (17) a escritora Zélia Gattai Amado, aos 91 anos. A informação foi confirmada pela assessoria de imprensa do Hospital Bahia, onde a autora de 14 livros estava internada havia 31 dias.
O médico Jadelson Andrade, que acompanhava o estado de saúde de Zélia, irá falar com a imprensa nas próximas horas.
Segundo boletins médicos, o quadro evoluiu com gravidade na noite de sexta-feira (16). Zélia estava na Unidade de Terapia Intensiva do hospital, em pós-operatório de uma laparotomia para desobstrução intestinal.
A família decidiu cremar o corpo da escritora e espalhar as cinzas na antiga casa do Rio Vermelho, da mesma como foi feito com Jorge Amado. Ainda não há informações sobre data e horários.
De acordo com o filho da escritora, João Jorge Amado, Zélia temia a operação. "Ainda antes de passar pela cirurgia, ela chegou a dizer que estava com medo, o medo da morte que é natural."
Só neste ano a viúva do escritor Jorge Amado havia passado por cinco internações. Na manhã deste sábado (17), os médicos informaram que o quadro de choque circulatório era irreversível, ou seja, o coração e os vasos já não eram capazes de irrigar todos os tecidos com a quantidade adequada de oxigênio.
Segundo João Jorge, o corpo deve ser cremado de acordo com a vontade da própria escritora.
Filha dos imigrantes italianos Ernesto Gattai e Angelina Da Col, Zélia Gattai Amado nasceu no dia 2 de julho de 1916, na capital paulista. Foi em São Paulo, no bairro do Paraíso, que passou toda a infância e a adolescência.
A família da escritora foi bastante atuante no movimento político-operário. Em 1938, o pai de Zélia chegou a ser preso pela polícia política do Estado Novo.
As lembranças desse engajamento familiar – a casa dos Gattai foi palco de fervorosos debates – inspiraram o primeiro livro da escritora: “Anarquistas, graças a Deus”. Lançada em 1979, a obra já vendeu mais de 250 mil exemplares no Brasil, ganhou versões em francês, italiano, espanhol, alemão e russo e ainda inspirou uma minissérie homônima na Rede Globo, que foi ao ar em 1984, dirigida por Walter Avancini.
Aos 20 anos, Zélia se casou com Aldo Veiga, intelectual e militante do Partido Comunista. Da união nasceu o primeiro filho da escritora, Luiz Carlos, hoje com 66 anos.
Graças ao círculo de amizades de Veiga, Zélia se aproximou da elite intelectual brasileira da época. Desse grupo de amigos, faziam parte os escritores Oswald de Andrade, Mario de Andrade, Rubem Braga e Vinícius de Moraes. Também ficou próxima dos artistas Lasar Segall e Tarsila do Amaral.
O casamento chegou ao fim após oito anos. Em 1945 conheceu o escritor Jorge Amado – de quem já era admiradora – durante um congresso sobre literatura. Com diversos interesses em comum, a dupla passou a trabalhar no movimento pela anistia dos presos políticos. Poucos meses depois, se apaixonaram e passaram a viver juntos.
Os anos de exílio
Em 1946, nasce o primeiro filho do casal, João Jorge Amado. Dois anos mais tarde, com a repressão política no país, a família se exila na Europa por cinco anos. É nesse período que nasce o terceiro filho de Zélia, Paloma Jorge Amado, em 1951, em Praga.
No exílio, Jorge e Zélia participaram intensamente da vida cultural européia e conviveram com personalidades como Pablo Neruda, Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Picasso. A escritora freqüentava os cursos de “Civilização francesa” e “Fonética e Língua Francesa” na conceituada Universidade de Sorbonne, em Paris, e ainda descobre uma nova paixão: a fotografia.
O casal retornou ao Brasil em 1952 e viveu no Rio de Janeiro, na casa dos pais de Zélia, durante 11 anos. Em 1978, após 33 anos de companheirismo, Jorge e Zélia oficializaram a união.
Cidadã baiana
Em 1963, a família Amado fixa residência em Salvador. E é lá que Zélia passa a se dedicar mais à literatura. Além de “Anarquistas, graças a Deus”, é autora dos livros de memórias “Um chapéu para viagem” (1982), “Senhora do baile” (1984), “Jardim de inverno” ( 1988) e “A casa do rio Vermelho” (1999). Também é escreveu os livros infantis “Pipistrelo das mil cores” (1989) e “O segredo da rua 18” (1991).
Baiana de coração, Zélia recebeu em 1984 o título de “Cidadã Soteropolitana”. Mas esta não foi a única honraria recebida pela escritora. Zélia também foi agraciada na França com os títulos de “Cidadã de Honra da Comunidade de Mirabeau” (1985) e a de “Comendadora das Artes e das Letras” (1998).
No Brasil, entre outros prêmios literários, recebeu o “Dante Alighieri” (1980).
A vida sem Jorge Amado
O casamento de Zélia Gattai e Jorge Amado durou 56 anos, até a morte do escritor, em 2001.
A história de amor de mais de meio século que viveu com Jorge Amado inspirou alguns de seus trabalhos. Caso da fotobiografia do escritor, “Reportagem incompleta” (1987), além dos livros de memórias “A casa do Rio Vermelho” (1999), “Jorge Amado – Um baiano romântico e sensual” (2002) – em parceria com os filhos João e Paloma – e “Memorial do amor” (2004).
No dia 21 de maio de 2002, a escritora passou a integrar a Academia Brasileira de Letras (ABL), ocupando a mesma cadeira que pertencia ao marido: a de número 23. O posto também já pertenceu aos escritores José de Alencar, Machado de Assis, Alfredo Pujol.
Após o falecimento do companheiro, Zélia decide abrir a casa em que viveram juntos por 21 anos e onde receberam personalidades como o escritor Pablo Neruda.
Atualmente aberta para visitação, a famosa “casa do Rio Vermelho” – onde estão as cinzas do escritor – será transformada em um museu.
Além dos três filhos, Zélia Gattai também deixa nove netos e cinco bisnetos.