Brasília – Começou às 9h26 o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a manutenção da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, em área contínua. Neste momento o relator da ação, ministro Carlos Ayres Britto, faz um relato descritivo do histórico da controvérsia.
Nas sessões de hoje (27) e amanhã (28), se não houver pedido de vista, os ministros decidirão se será possível a permanência de menos de uma dezena de grandes produtores de arroz e 50 famílias de agricultores em parte da área de 1,7 milhão de hectares, onde vivem 18 mil índios das etnias Macuxi, Wapichana, Patamona, Ingaricó e Taurepang.
A homologação da reserva, aguardada há décadas pelos índios, foi concluída em decreto presidencial de 15 de abril de 2005. A ação que será julgada foi protocolada pelos senadores de Roraima Augusto Botelho (PT) e Mozarildo Cavalcanti (PTB). Eles sustentam que o laudo antropológico que resultou na demarcação em faixa contínua é falso e defendem a exclusão de áreas produtivas, sede de municípios e estradas.
A decisão que for tomada pelo STF neste processo deverá ser estendida aos demais sobre o mesmo tema ( há 33 na Corte Suprema) e influenciar o reconhecimento de outras terras indígenas no país.Depois das considerações do ministro Carlos Ayres Britto, várias partes interessadas deverão fazer sustentações orais. De um lado, a Advocacia Geral da União (AGU), a Funai e o Conselho de Indígenas de Roraima, em defesa da demarcação contínua. De outro, os autores da ação, o governo de Roraima e a associação dos arrozeiros do estado pela anulação da demarcação. A Procuradoria Geral da República também apresentará um parecer.
Somente após concluídas as sustentações orais o relator revelará o seu voto, redigido em 108 páginas, o que deve ocorrer somente na tarde de hoje. O voto de Britto é uma incógnita. Nos últimos meses ele evitou declarações conclusivas, mas revelou ter observado em visita à Raposa Serra do Sol vazios demográficos. O presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, declarou em maio, ao ser empossado, que a Constituição Federal oferece soluções adequadas para o impasse.
Os agricultores não concordam com as indenizações propostas pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e se recusam a deixar reserva. Eles têm o apoio do Governo de Roraima, pois a produção de arroz corresponde a 6% do Produto Interno Bruto (PIB) de Roraima. Já os índios reivindicam o direito de exercer a ocupação exclusiva da área tradicional .
A tensão em Roraima é um ingrediente a mais para a disputa, acompanhada pela Agência Brasil em coberturas especiais. Em abril deste ano, uma operação da Polícia Federal (PF) para a retirada dos não-índios foi suspensa por liminar do próprio STF.
Na época, pontes de acesso à terra indígena foram destruídas e uma base de resistência armada foi montada na Vila Surumu sob a orientação do líder dos produtores de arroz, Paulo César Quartiero, prefeito de Pacaraima (RR). Quartiero já foi preso duas vezes, uma delas em maio, quando índios foram baleados por funcionários do produtor ao tentar construir malocas nos limites de sua propriedade. Ele chegou ontem (26) a Brasília para acompanhar o julgamento e disse confiar “no patriotismo dos juízes brasileiros”.
Nos últimos dias, índios e produtores intensificaram manifestações públicas e trocaram ameaças. Pelos menos 300 agentes da Polícia Federal e da Força Nacional de Segurança monitoram a área.
Para tornar a questão ainda mais complexa, as próprias comunidades indígenas se dividem entre o apoio e o repúdio aos produtores de arroz, sentimentos potencializados pela influência religiosa. Comunidades evangélicas não se opõem à permanência dos produtores de arroz, enquanto as católicas querem a expulsão. Uns dizem que os produtores geram emprego, outros que eles degradam o meio ambiente e ameaçam as tradições indígenas.