RIO – Dia desses, o ministro da Integração Racial, Edson Santos, viajou para Portugal e um policial federal quis saber, desconfiado, de quem era aquele passaporte diplomático. Superado o embaraço, Santos embarcava no avião quando uma senhora – pensando que o engravatado negro fosse estrangeiro – lhe perguntou em inglês se falava português. Ele disse que sim e eis que um assessor explicou que se tratava de um ministro. "De qual igreja?", quis saber ela. A historinha dá uma idéia do tamanho do preconceito no país e do desafio de igualar uma raça cujo IDH (0,753) a colocaria como a 97 nação do mundo enquanto os brancos seriam a 51a., com 0,838.
O novo Relatório Anual das Desigualdades Raciais da UFRJ revela que a diferença salarial entre negros e brancos caiu de 113,9% para 93,3%. Já se pode falar em avanço?
– Claro. Isso acontece graças às políticas públicas universais. O negro está na base da pirâmide social. Chegar à classe C é ótimo, mas avançar para a B e a A requer um salto qualitativo maior. A Lei Áurea acabou com a escravidão num artigo e revogou todas as disposições em contrário no outro. E só. Disseram virem-se. Há lugares em que o único negro sou eu.
Apesar disso, o IDH de negros e pardos é de 0,753, comparável ao do Paraguai, um país de médio desenvolvimento humano. O dos brancos é de 0,838, igual ao de Cuba e acima do do México e do próprio Brasil (0,800), países de alto IDH. E o dos índios é de 0,683, entre o Gabão e a Guatemala, em 120º lugar. Como reduzir as diferenças entre esses Brasis?
– Com políticas universais. O Estado tem que dar oportunidades a todos, principalmente para quem sempre esteve à margem dos benefícios. O sistema de cotas é uma saída e também já temos para índios nas universidades de Goiás.
Ainda estamos às voltas com as eleições e vemos que só 8,9% dos deputados federais são negros e mulatos. No Senado, são 6,1%. Como chegar à integração racial entre os representantes do povo?
– O Congresso Nacional é um ambiente das elites. A Bahia tem 80% da população composta por negros. No Rio, são 50%. Mas isso se explica pela baixa auto-estima dos negros e pelo fato de não compreenderem o papel dessa instituição. Mas políticas de elevação educacional ajudariam nisso.
Muitos criticam o sistema de cotas para negros nas universidades. O caminho para acabar com essa desigualdade não deveria passar por uma escola pública de qualidade?
– Sim, mas ninguém entra pelas cotas com nota 2. A universidade deveria ser um espaço para todos e não pode um médico ir ao shopping, jogar tênis e não querer trabalhar num posto de saúde na Cidade de Deus, com 80% dos moradores negros. As cotas fazem da universidade um ambiente democrático, formando profissionais com sensibilidade social.
Segundo a UFRJ, de 1999 a 2005, o percentual de negros assassinados saltou de 46% para 60,2%. Por quê?
– A falta de perspectiva e de emprego faz esse jovem aspirar a um lugar numa boca-de-fumo na favela e eles matam e morrem no tráfico de drogas. Isso é o retrato de anos de abandono desses jovens.
A Polícia Civil formava policiais em aulas com gráficos em que o branco era o viciado e o negro, o traficante. Se o governo age assim, como combater o preconceito racial?
– É por isso que as pessoas têm dificuldade de ver o negro cidadão. Outro dia, fui a Portugal e um policial federal quis saber de quem era o meu passaporte diplomático. Depois, uma senhora me perguntou em inglês se eu falava português. Quando soube que era ministro, quis saber de qual igreja…
Em blitzes, os primeiros suspeitos são negros. Os dois últimos comandantes da PM são negros. Não se perde uma chance de mudar essa mentalidade policial?
– Isso não depende só da Polícia Militar. É uma questão de governo, que deve interferir nesse processo para que a PM se integre ao ambiente democrático.
Como será o projeto de mapear os terreiros com a PUC?
– Vamos começar pelo Rio e casas de santo com muita tradição poderão ser tombadas histórica e culturalmente. Vamos mapeá-las com tecnologia da PUC e diretrizes de um conselho religioso.
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