Os tiros disparados por torcedores da Geral do Grêmio contra os gremistas Lucas Pereira Ballardin, 16 anos, e Marçal dos Santos, 30, tornaram inadiável o debate de uma questão que não pertence mais só ao âmbito do futebol, mas é tema de segurança pública: como devolver as organizadas dos grandes clubes à civilização?
Desde o bangue-bangue do último domingo, emergem revelações para ajudar no diagnóstico. É consenso que dar ingressos para os líderes venderem em jogos fora de casa é um erro. O lucro da venda de entradas e produtos, somado ao apoio logístico nos estádios e eventuais alianças políticas (a maioria dos integrantes são sócios e votam nas eleições), cria o monstro. Os métodos violentos importados dos barra-bravas argentinos, que estão na gênese deste novo estilo de torcer, surte efeitos explosivos. E incontroláveis — como quebrar o braço do técnico Wanderley Luxemburgo, do Palmeiras, em pleno aeroporto de Congonhas.
Para conter a violência, todo o rigor é pouco. Em Minas Gerais, torcedores não entram nos estádios com bandeiras inocentes há oito anos, desde quando os mastros viravam armas em brigas.
A partir deste fim de semana, em caráter experimental, a polícia mineira voltará a admiti-las. Mas o torcedor terá de fornecer nome completo, endereço, telefone, identidade, CPF, nomes do pai, da mãe e ainda se apresentar três horas antes no estádio para vistoria.
— Estas torcidas não são associações naturais. Elas têm algum interesse (além do clube). No momento que tu tiras o interesse, acaba a associação — exemplifica o promotor Ricardo Herbstrith, responsável pela denúncia dos episódios do Gre-Nal dos banheiros químicos, em 2006.
Antropólogo estudou torcida em bares com pay-per-view
Outro consenso é a necessidade de punição. O problema é arrumar alguém disposto a isso. No caso dos banheiros químicos, houve denúncia do Ministério Público, mas os acusados foram absolvidos. Uma boa notícia, ao menos, é a adoção dos juizados especiais nos estádios em dias de jogos. Delitos menores são identificados e punidos ali mesmo. Mas falta desbaratar ações organizadas e premeditadas, como as que resultaram nos disparos contra Lucas e Marçal.
O antropólogo Edison Luis Gastaldo, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Unisinos, estudou o comportamento de torcedores em bares que transmitem jogos da dupla Gre-Nal pelo pay-per-view, entre 2004 e 2007. Presenciou situações limites, mas nunca testemunhou vias de fato. Ele reconhece que o anonimato da multidão pode liberar instintos secretos, mas discorda da tese de que um pacato cidadão pode se tornar criminoso apenas pelo contato com uma horda bárbara.
— Um homem normal, mesmo sob pressão, não põe fogo em banheiro. Não punir os infratores é um precedente perigoso. É sócio? Basta o clube expulsá-lo para servir de exemplo — ensina Gastaldo, que revela preocupação com o caráter fascista de eliminação do adversário e as alegadas motivações racistas para os tiros contra os torcedores.
Enfim, o debate está nas ruas. Já é um começo.
ZERO HORA/RS