Um dia em cada casa. Um dia para cada patroa. O trabalho das diaristas é muito comum nas grandes cidades. Só na Região Metropolitana de São Paulo, quase 200 mil mulheres ganham a vida assim. A maioria sem registro em carteira e sem os benefícios das leis trabalhistas. Mas algumas mudanças vêm acontecendo na relação entre essas empregadas e suas patroas, e a Justiça já começa a olhar as diaristas com outros olhos.
"Para mim não importa o número de dias que ela trabalha e sim se ela tem dias e horários fixos para trabalhar que não ficam a critério dela", diz o juiz do trabalho Sérgio Pinto Martins.
Interpretações da lei como a do juiz Sérgio Pinto Martins têm garantido às empregadas que vão duas ou três vezes por semana numa casa os mesmos direitos daquelas que vão todos os dias. Nisso apostou a empregada doméstica Nercília Marcelino. Quando foi dispensada pela patroa, ela entrou com uma ação na Justiça. "Eu estava com uma situação difícil porque meu pai tinha falecido naqueles dias. Eu pedi ajuda para ela, mas ela negou", conta.
Foram dois anos e meio trabalhando numa chácara em Cotia, na Grande São Paulo, e só nos finais de semana. Para cuidar da limpeza, recebia R$ 40 por dia. Com a vitória na Justiça, levou R$ 3,1 mil de indenização e carimbou o primeiro registro de trabalho. "Valeu a pena porque pelo menos agora eu tenho uma carteira registrada", diz dona Nercília.
Decisões que tempos atrás pareciam impossíveis hoje acontecem com mais freqüência. "Eu faço a comparação com um médico que trabalha num dia específico, com horário específico, fazendo plantão num hospital e isso se repete a cada semana. Para mim, a situação é a mesma, mostra a continuidade que é feita a cada semana. Porque a lei não diz que o trabalho deve ser cotidiano, a lei não diz que o trabalho deve ser diário", alega Sérgio Martins Pinto.
"Não há que se falar mais em diarista. Agora é vínculo empregatício. E isso dá mais garantia para o empregado. O empregador tem que tomar mais cuidado ao contratar empregado nesse sentido", alerta o advogado de dona Nercília, José Raymundo Guerra.
Nem todos pensam do mesmo jeito
É bom ir com calma. Os juízes não pensam todos do mesmo jeito. "Foi um susto. Ela estava pedindo mais de R$ 20 mil no processo. De onde eu ia tirar?", questiona a cartorária Maria Estela Mancini.
Assim acabou a amizade de quase dez anos entre dona Maria Estela e a diarista. "Ela sempre foi ótima. De repente, você vê que não é nada daquilo", diz dona Maria Estela.
Nesse caso, foi a patroa quem ganhou a ação. A Justiça levou em conta que a empregada também trabalhava para outra família.
"Ela fazia o horário dela, saia quando terminava o serviço e prestava serviço para outro empregador. E muitas vezes chegou a trocar dias de serviço. Então, isso foi primordial para caracterizar a improcedência da ação", explica a advogada de dona Maria Estela, Simone Ramos Gomes.
O juiz do trabalho Décio Daidone segue a linha daqueles que entendem que diaristas não são empregadas domésticas, mas prestadoras de serviços. Para ele, a lei determina que o trabalho seja contínuo. Além disso, diz que as diaristas têm privilégios que as mensalistas não têm. "A diarista tem a possibilidade, de uma vez encontrando outra casa que pague um pouco mais, largar aquela imediatamente e pegar outra", argumenta.
Derrotas e vitórias acompanham essa profissão de mulheres acostumadas a enfrentar a vida. No rastro de passinhos miúdos, segue uma grande história. São mais de 70 anos de trabalho, 87 de vida, e uma lição cruel para ensinar à nova geração de empregadas domésticas.
"A patroa fala: ‘Você é da casa, é da família’. Mas quando chega a hora de dividir o que ela tem, seu nome não está lá", diz a empregada aposentada Arduce Aguiar, que lutou muito pelas leis que hoje protegem milhões de empregadas domésticas. "Eu não pensava que ia dar tanto trabalho. Mas depois que comecei não quis parar", conta.
Mulher danada essa. A lei não permitia, mas dona Arduce desafiou a burocracia e foi a primeira doméstica a contribuir com a Previdência Social. Criou também um das primeiras associações de empregadas do país, hoje o Sindicato das Domésticas de Piracicaba, no interior de São Paulo. Mas os fantasmas do passado ainda perseguem dona Arduce.
Só 25% das domésticas têm carteira assinada. E é com tristeza que dona Arduce diz que as companheiras de profissão têm culpa nisso. Se fossem tão boas de briga quanto ela, tudo seria bem diferente.
"Por que nem todos os patrões pagam e registram suas empregadas? Por que eles não têm conhecimento disso? É um atraso? Não. É uma maldade", constata dona Arduce.