Luis Vilar
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Uma revolta silenciosa. Não porque não caibam gritos e urros de dor, mas simplesmente porque não há como traduzir em palavras. O pequeno Williams morreu e não há nada que se possa fazer. Sim, a PM prendeu os traficantes. Eles devem cumprir pena? Bem, diante do emaranhado de remédios jurídicos que dispõe nossa legislação, talvez…Porém, o que fica claro é o quão estamos – enquanto sociedade – tangenciando a barbárie. O quão se sucedem fatos que nos chocam diuturnamente. Estamos entorpecidos ou perdemos a fé?
No caso do pequeno Williams lhe foi negado tudo. Sabe-se lá em que circunstâncias ele nasceu. Sabe-se lá como sobrevivia num pequeno cubículo construído em madeira e papelão. Sabe-se lá que perspectivas ele tinha. Williams não foi feito de refém em uma tragédia anunciada com direito a cobertura ao vivo. Williams não vai ao Fantástico. Não vai estampar camisetas em passeatas pela paz. Ele é um anônimo que nasceu como um “bicho”, em condições de miserabilidade que desafiam qualquer discurso humanista calcado em Direitos Humanos.
Dormia tranquilamente, sem consciência da ausência de perspectiva que lhe rondava, quando uma bala perdida atingiu mortalmente sua cabeça. Talvez não tenha nem tido tempo de sentir dor. Talvez nem tenha conhecido a dor. Se tivesse sobrevivido, teria que ser mais que forte para continuar vivo, diante da porta de entrada que teve para este mundo. Mas, seu futuro foi roubado. Por quem? Na resposta mais simplista, pelo traficante que puxou o gatilho. Além de mais simplista, é a que mais agrada aos ouvidos das autoridades competentes, pois a resposta se resume a prender os traficantes, ou – em um passe de mágica para a resolução dos problemas – a um linchamento público.
Porém, quem de fato matou Williams raramente mostra cara. Ele paira no cotidiano com sua face oculta. O sanguinário processo que exalta ao poder àqueles que historicamente sempre tiveram os discursos prontos para construir e desfazer ilusões ao prazer das circunstâncias. De tantos Williams, nós temos as estatísticas. De tantos Williams, nossos olhos ficaram secos e já nem notam – ainda que diariamente passem pela frente de favelas – os tantos Williams que se encontram lá dentro, enrolados em lençóis sujos e rasgados, dividindo espaço com os cães pulguentos, ausência de saneamento, saúde, educação, qualquer perspectiva. Aliás, há sim uma perspectiva: a bala perdida, ou a de endereço certo.
Estes Williams sempre se fizeram presentes, apesar de invisíveis e anônimos. No mais, ilustram textos literários premiados, ou fazem os sociólogos regurgitarem depois de epopéias cinematográficas pós-modernas. De concreto: os Williams continuam lá a espera de uma bala perdida…Ao fim de tudo, os Williams se renovam, nascem mais, são produzidos em série. Hoje, morreu – como coloca o Alagoas24horas – aquele que não teve direito ao futuro. Foi o 1196° assassinado do ano.
A revolta é silenciosa. Não há como não se entregar ao processo catártico, afinal era uma criança em meio ao jardim das maldades. Estamos entorpecidos? Perdemos a fé? Fomos abandonados? O pequeno Williams não teve tempo de refletir, ou de achar respostas. Quem chorará por ele? Quem verá na tragédia a reflexão urgente, necessária, precisa? Quem estará segurando a alça daquele caixão branco, se houver dinheiro para sepultá-lo dignamente? Quem?
Com certeza, uma parte da sociedade está perplexa e entristecida no dia de hoje. Mas há uma pequena parte, que puxou o gatilho juntamente com o traficante, que ainda continua muito bem acomodada, tomando o seu uísque no fim de tarde, negociando “escravas brancas”, sonhando com vagas vitalícias no Poder Público, gastando de forma sabe-se lá como, os milhões que poderiam ter tirado a Favela de Lona daquele lugar.
Se estas pessoas derramarem uma lágrima por Williams no dia de hoje, que engulam o choro, que engulam as palavras, pois a bala perdida que encontrou a cabeça do pobre garoto pelo meio do caminho já foi disparada há muito tempo, pena que não há impressões digitais para identificar os “inocentes e idolatrados”.