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Crônicas e Agudas por Walmar Brêda

Walmar Coelho Breda Junior é formado em odontologia pela Ufal, mas também é um observador atento do cotidiano. Em 2015 lançou o livro "Crônicas e Agudas" onde pôde registrar suas impressões sobre o mundo sob um olhar bem-humorado, sagaz e original. No blog do mesmo nome é possível conferir sua verve de escritor e sua visão interessante sobre o cotidiano.

Todas as postagens são de inteira responsabilidade do blogueiro.

A dor de cada um

Estive recentemente no velório de um amigo querido que partiu de maneira  breve e inesperada e que deixou  em todos nós  muito sofrimento e saudade, provocando também as reflexões de sempre: valores, prioridades, propósitos, etc,etc, etc…

Acontece que em meio a tanta dor, algo chamou minha atenção -ou melhor, alguém. Entre lágrimas e dores, uma figura destacava-se no meio da multidão. A pessoa que talvez tivesse mais motivos para estar em prantos com a perda de seu ente querido, curiosamente era a mais serena e, arrisco-me a dizer, exultante, até.  Sua mãe transitava naquele ambiente de tristeza e comoção, consolando em vez de consolada, sorrindo em vez de chorando, transmitindo força e palavras positivas aos que lá estavam, deixando quase todos estupefatos, como este que vos escreve.

  Eu, que estava no meu cantinho doído e massacrado pela perda de um amigo tão querido, a observava num misto de espanto, curiosidade e…inveja.  A mãe do meu amigo sempre fora conhecida pela sua elevadíssima evolução espiritual e engajamento na religião espírita, o que tornava-a possuidora de ferramentas nobres e eficazes para enfrentar o que viesse em sua vida, inclusive a pior de todas as dores: a morte de um filho.
  Fiquei observando-a, deslizando elegantemente pela pequena sala com um sorriso leve no rosto -as mãos bailavam suavemente acompanhando as doces e melancólicas melodias que eram cantadas cheias de emoção pelos ali presentes. Nessa hora, busquei em seu olhar algum sinal que entregasse a sua dor oculta, um pequeno furo em sua máscara de serenidade e leveza, algo que revelasse que aquilo tudo era uma negação ou então uma represa prestes a romper de forma trágica. Mas não. Seu semblante transmitia sabedoria e calma de um monge no alto da montanha.  Sua força e fé eram genuínas e inabaláveis.  Arriscaria até dizer que a admirável senhora estava exultante  naquele momento, onde a maioria de nós desejaria morrer junto. Fundamentada e firme na doutrina da sua religião, ela, na verdade, agradecia profundamente o tempo em que teve o privilégio de conviver com o filho do berço ao túmulo  -era esse o seu entendimento- e quem há de discordar?
  Voltei para casa com o olhar tranquilo e doce  da mãe do meu amigo em minha cabeça e passei o dia inteiro a refletir sobre os mistérios da vida e da morte.
  No rol gigantesco das religiões, o homem sempre buscou conforto, sentido e esperança. A imensa diversidade de conceitos e crenças, torna algumas delas  mais eficientes que outras em diversos aspectos -sua escolha depende do que  realmente se deseja  e precisa para seguir na estrada da vida.  Mas, sem dúvidas o espiritismo é uma das mais eficientes para aplacar a dor da perda de um ente querido.  Sua filosofia baseia-se que estamos aqui apenas de passagem e que, em breve, nos encontraremos em outro plano, outra vida, outro tipo de existência. Será?
   Eu, em meu pequeno entendimento, tenho mais desejo e esperança do que fé -afinal, nunca ninguém voltou do além-túmulo para me contar o que tem por trás do véu de Ísis. Então claro que senti uma grande inveja daquela senhora que está muito mais preparada para as vicissitudes da vida -que não são poucas- do que a maioria de nós.  Seu entendimento sobre vida e morte, sorte e azar, felicidade e tristeza, paz e inquietude, causa e consequência e amor e ódio, torna-a mais resiliente, contemplativa, e complacente com tudo e com todos. É ou não é admirável?
  Praticamente todas as religiões prometem um abrir dos olhos ou da consciência após o coração deixar de bater. Esse é um dos pilares que enchem os  crentes de esperança e sentido diante da finitude da vida.  Acreditar que não há nada alem da nossa existência pode provocar depressão em uns e desespero em outros.
  Sem querer ser polêmico,  não é difícil concluir que, se ao final, de fato não existir nada após,  a religião daquela senhora serviu lindamente  pra esta  vida aqui mesmo. Seria coerente afirmar que a escolha da religião deve-se muito mais  à sua “utilidade” nesta vida que de olho numa suposta outra. Acredito que deveríamos escolher aquelas que,  além de nos  trazer conforto e sentido para a vida, também seja capaz de nos tornar uma pessoa mais generosa, tolerante, sociável, honesta, caridosa, leve, feliz e, principalmente, preparada  para tudo que vier -exatamente  como a evoluidíssima mãe do meu amigo.

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