Tenho um amigo e parceiro de tênis que joga de um jeito bastante peculiar. Bem, ao menos para mim, que tenho um estilo diametralmente oposto ao dele. Assim como em minha própria vida, sou comedido nos golpes e procuro fazer um jogo mais cadenciado e conservador. Arrisco pouco nas jogadas e deixo para definir o...
Tenho um amigo e parceiro de tênis que joga de um jeito bastante peculiar. Bem, ao menos para mim, que tenho um estilo diametralmente oposto ao dele. Assim como em minha própria vida, sou comedido nos golpes e procuro fazer um jogo mais cadenciado e conservador. Arrisco pouco nas jogadas e deixo para definir o ponto quando o mesmo já está realmente favorável – fazer o que? Sou assim mesmo, o que muitas vezes provoca em meus adversários uma certa irritação, quando acabo sendo chamado por alguns de “passador de bola” ou “devolvedor” e reclamam bastante por eu jogar esperando o erro do adversário. Mas, o fato é que não consigo “soltar o braço” nas trocas de bolas e acabo levando o jogo para pontos mais demorados, já que acabo devolvendo-as constantemente.
Já o amigo ao qual me refiro, é o oposto. Seus pontos são curtíssimos, pois com uma ou duas bolas rebatidas, ele solta uma bomba “como se não houvesse amanhã” – não quer nem saber quanto está o jogo ou quem pintou a zebra. Logicamente, com esse estilo kamikaze de jogar, ele acaba errando demais. Mas e daí? Ele não quer nem saber e continua soltando seus torpedos, ora mandando a bola no espaço, ora, raramente, fazendo pontos belíssimos – afinal, um relógio parado fica certo ao menos duas vezes por dia.
Isso é motivo de muita brincadeira e até reflexão de minha parte. Pergunto-lhe se em sua vida ele também age assim e ele me responde em tom meio bonachão que sim. Apesar de realizado profissionalmente, não é muito afeito a economias, sobretudo de prazer e de tempo. Costuma entrar de cabeça sem receio das consequências, mais ou menos como o tirombaço que dispara com sua raquete. Então eu brinco dizendo que provavelmente quando está viajando, num jantar lá pelas tantas, resolve num impulso pedir o vinho mais caro da casa – afinal, só se vive uma vez. E tome bolada no espaço.
Bem, acontece que para uma pessoa como eu jogar dupla ao lado desse meu amigo é um tormento. Eu segurando os golpes com medo de errar e ele chutando o balde seja lá quanto estiver o placar – então prefiro evitar jogar ao seu lado.
Um dia, porém, ele veio me perguntar por que eu sempre me esquivava de jogar com ele. Fui sincero e disse:
– Meu amigo, jogar com você é um sofrimento para mim. É uma relação fadada ao fracasso onde só uma das partes se diverte. É como um casamento onde o marido é poupador e disciplinado em guardar e aplicar dinheiro. Ele abre mão de certos prazeres para ter estabilidade no futuro. Isso, obviamente, tem um custo, pois certamente o coitado deixa muitas vezes de fazer algo gostaria, em nome de uma pretensa estabilidade. Porém, sua esposa torra o dinheiro dela e o dele também. Como têm conta conjunta, a dita cuja se delicia ao ver o saldo da aplicação do seu esposo e torra até o último centavo, tornando todo esforço do pobre marido inútil.
Ele riu meio sem graça e esqueceu-se das partidas que jogamos juntos em que em pontos decisivos, o danado fechava os olhos e soltava a bomba, mandando a bola pro infinito e além – “afinal só se vive uma vez ”- me dizia ele com um sorriso no rosto.
Eis o conflito entre dois estilos de vida – nem um tão certo, nem o outro todo errado. Talvez até ao jogarmos juntos, façamos bem um ao outro. Por isso, decidi relevar e jogar mais ao seu lado para, quem sabe, soltar minhas bombinhas também de vez em quando.
Afinal, vencer para que? A emoção de “soltar o braço” sem medo de ser feliz supera a alegria de ganhar uma partida.
– Garçom, traga-me o vinho mais caro da casa, por favor!