Por conta de um assunto que estávamos conversando, fui mostrar a meu filho uma das cenas de cinema que justificam a minha paixão pela sétima arte. Como, felizmente, temos hoje a internet e o YouTube, foi possível mostrá-la imediatamente com uma simples busca neste link https://m.youtube.com/watch?v=yUqMFHcJeKc o que eu recomendo aos meus amigos leitores. A cena...
A cena é do filme Amadeus, de 1984 dirigido por Milos Forman, sobre a vida do genial compositor Wolfgang Amadeus Mozart, em que o ator F Murray Abraham retrata, de forma magistral, a lendária inveja do excelente compositor oficial da corte de Viena do século XVIII, Antônio Saliere, pelo jovem, genial e irreverente Mozart. Essa inveja lhe corroeu as entranhas, o bom senso e por fim o juízo, dando-lhe tendências homicidas e suicidas por não conseguir superar o reconhecimento da imensa disparidade de talento e genialidade entre ambos. Saliere, músico reconhecido e dedicado, não suportava o talento incomparável do jovem compositor, e considerava-se injustiçado por Deus por não ter sido ele, agraciado por tal dom.
Num determinado momento do filme, Saliere recebe uns manuscritos originais de partituras do seu arqui-inimigo e começa a lê-las de forma ressentida e amarga. Então ele vai sucumbindo, apenas com a leitura dos mesmos, às maviosas e geniais melodias que ali estão apenas no papel. Seu semblante inicialmente de desdém, vai sendo aos poucos substituído por estupefação, admiração,raiva, deslumbramento, inveja e devoção, até por fim, deixar cair -os papéis e a si próprio – diante de tanta beleza e encantamento daquelas obras de um jovem petulante, irreverente e amalucado. Recomendo firmemente assistirem à tal cena, e se atentarem à profusão de sentimentos estampados no rosto do ator.
Toda essa conversa foi para concluir que, sobretudo nas artes, me parece sempre ser necessária um pouco de loucura e falta de prumo dos artistas. Seja ele por obra da genética ou de substâncias químicas, o talento origina-se exatamente da cabeça, digamos, menos convencional. Daí vemos milhares de exemplo de gênios loucos em todos os campos da arte: de Raul Seixas a Salvador Dali, de Jimmy Hendrix a Van Gogh, de Cazuza a Michael Jackson.
Será que ao receber o dom divino da genialidade, o agraciado aceita, por contrato, a inclusão de um pouco de loucura em seu “pacote” de presentes? Ou seria exatamente esse viés lunático o que diferencia os gênios e sua profícua capacidade criativa? Nossos grande artistas contemporâneos fizeram suas melhores obras em seus momentos mais “porras-loucas” , esgotando sua capacidade criativa ao tornarem-se senhores distintos e engravatados – taí Caetano, Roberto Carlos, Paul McCartney, Lulu Santos e cia.
Está explicado porque o almofadinha e marido profissional da atriz Glória Pires, Orlando Moraes, nunca conseguiu empolgar ninguém com suas musicas com gosto de xuxu. Ou mesmo a Sandy, que jamais chegará aos pés da louca e maravilhosa Amy Winehouse. A lista é gigantesca -ou seja, o seu dentista e seu gerente de banco jamais serão um artista genial.
Celebremos, pois, a falta de lucidez dos gênios, responsável pelas maravilhosas e encantadoras obras primas; para que nós, ditos “normais”, possamos, ao enxergar o que eles vêem e escutar o que eles ouvem, apreciá-las com nossos ouvidos lúcidos e pouco irreverentes. Então, nesse momento, é possível experimentarmos dentro de nós, de forma saudável e positiva, a lendária inveja de Saliere.