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Alagoas de ontem/Alagoas de hoje

Em 12/09/2003, o senador Renan Calheiros (PMDB) levava ao plenário do Senado Federal a seca de Alagoas. O problema continua.

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB -AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.)
Sr. Presidente Mão Santa, Srªs e Srs. Senadores, já em agosto do ano passado, especialistas em meteorologia alertavam que a seca no Nordeste, agora, em 2003, seria semelhante à de 1998. Há cinco anos, como se sabe, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, a estiagem, na região do semi-árido, foi uma das cinco mais intensas do século XX.
A crônica, Sr. Presidente, desse fenômeno cíclico e anunciado se fez, mais uma vez, e a história se repetiu. Apenas em Alagoas, calcula-se que mais de 40 mil pessoas estejam sofrendo com os efeitos da seca – a maior dos últimos 41 anos. Choveu, em Alagoas, na estação mais chuvosa do nosso semi-árido – exatamente em abril, maio, junho, julho e agosto ¿, apenas 120 mm, e em pouquíssimos dias. Desnutrição, fome, doenças, migração… as conseqüências da seca, V. Exª sabe muito bem, são conhecidas.
Acostumados à falta de comida e água, muitos alagoanos vêem na miséria o agravamento da sua situação. E essa situação, Sr. Presidente, se complica muito mais com outro tipo de escassez: a de cestas básicas e carros-pipa. Para muitos sertanejos, as cestas, nesse período, são a principal fonte de alimento. Depois de mais de 12 meses praticamente sem chuva – choveu apenas 120 mm, em pouquíssimos dias, como já me referi , algumas prefeituras criaram uma espécie de vale-fome, que autoriza as famílias mais carentes a comprarem alimentos em armazéns e supermercados do Município.
No sertão do meu Estado, Sr. Presidente, a situação é crítica. Muitos já perderam totalmente as suas safras e, agora, perdem o pequeno rebanho. Em Santana do Ipanema, por exemplo, no sertão de Alagoas, a 224 Km de Maceió, o prefeito decretou estado de calamidade pública e vem destinando boa parte do Fundo de Participação do Município à compra de alimentos e ao aluguel de tratores e carros-pipas. Dos 42 mil habitantes, 18 mil sofrem diretamente com a seca. A economia da região, baseada na agricultura de subsistência e na criação do gado, Sr. Presidente, teve uma redução de 70% nos últimos quatro anos, segundo o prefeito.
Em São José da Tapera, a seca atinge gravemente a zona rural e, também, a zona urbana. Em São José da Tapera, a seca atinge também grande parte da população, principalmente a da zona rural, onde residem quase 60% dos 28 mil habitantes; e também a zona urbana, Sr. Presidente, que só recebe água a cada dois dias, apesar de o Município ficar a 30 km do rio São Francisco. A prefeitura afirma que o corte das 3.000 cestas básicas e a ausência de carros-pipas, contratados pelo Governo Federal, vem, sem dúvida alguma, agravando essa situação.
O resultado da devastação provocada pela estiagem não poderia ser outro: crianças sem leite, famílias com direito a apenas uma escassa refeição diária, ou que enganam, Sr. Presidente, lamentavelmente, o estômago com produtos colhidos no meio do mato, como a palma forrageira, alimento do gado, que muitas vezes servem para alimentar as pessoas, diante do desespero.
Já debilitada, a economia do semi-árido nordestino, onde moram 21 milhões de sertanejos, sem dúvida, entra em colapso irreversível com essa seca.
Vários prefeitos do sertão e do agreste de Alagoas prometem, desesperados, bloquear as rodovias caso o Governo Federal não envie, com urgência, recursos para a contratação de carros-pipas e compra de alimentos para as famílias castigadas pela seca.
Diante dessa situação alarmante, Sr. Presidente, o Senador Teotonio Vilela, a Senadora Heloísa Helena e eu, acompanhados dos integrantes da Comissão de Assuntos Sociais desta Casa, Senadora Lúcia Vânia, Senadores Flávio Arns e Augusto Botelho, estivemos esta semana com o Ministro Extraordinário de Segurança Alimentar, Francisco Graziano, e com representantes dos Ministérios da Integração e da Defesa para pedir providências urgentes.
Como conseqüência, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, uma Comissão formada por membros desses Ministérios, do Fome Zero, além da Sudene, irá a Alagoas para agilizar medidas que aliviem a situação das famílias atingidas pela seca.
Considero, sem dúvida, oportuna a idéia de inclusão da zona de ocorrência da seca, em Alagoas, no Programa Fome Zero.
Além disso, Sr. Presidente, temos de adotar medidas, como a contratação de carros-pipas, a distribuição de cestas básicas e a recuperação de prejuízos, com a perda de produção de pequenos e médios proprietários.
No entanto, Sr. Presidente, não é apenas isso. Temos de pensar grande, temos de pensar também em ações permanentes que ajudem a população a conviver com as condições climáticas adversas, já que o povo nordestino, como sabemos, possui uma cultura regional rica e diversificada.
Desde o tempo do Império, tenta-se melhorar as condições econômicas da nossa região, solucionando um problema que parece fundamental: a falta d¿água, uma vez que não é a qualidade do solo o fator que limita a sua produtividade. Prova disso, Sr. Presidente, é que as regiões irrigadas com água do rio São Francisco ou de grandes açudes criaram áreas verdes e produtivas que contrastam profundamente com as condições originais da região seca e do agreste.
A irrigação com alta tecnologia é, sem dúvida, uma resposta ao problema da seca do Nordeste, como foi, por exemplo, em Israel, que seria um deserto muito pior que o Nordeste não fosse a irrigação artificial. Para se ter uma idéia da importância da irrigação naquele país, basta lembrar que cerca de 20% de toda a eletricidade usada lá é despedida, bombeando água para essa finalidade.
Temos, sem dúvida nenhuma, de buscar soluções locais, capazes de resolver o problema, uma vez que a população se encontra espalhada numa área de centenas de milhares de quilômetros quadrados.
São projetos de baixo custo e que não envolvem grandes investimentos, que podem atender as populações locais mais pobres para as quais o acesso à água pode fazer a diferença entre sobreviver ou migrar para as grandes cidades do litoral e para o Sul e Sudeste do País.
O problema da falta de água no Nordeste não se deve propriamente à reduzida precipitação ¿ que existe, V. Exª o sabe muito bem, mas é altamente irregular e imprevisível, mas à taxa de evaporação de água no solo, que faz grande parte dela sumir rapidamente. Por isso, a construção de açudes em barragens subterrâneas é altamente indicada. Essas pequenas represas bloqueiam o fluxo de água abaixo do leito de rios temporários, onde a água se infiltra. As perdas por evaporação diminuem, e a água permanece armazenada por longos períodos, podendo ser usada para a agricultura, e o consumo, pelos animais e pelas populações locais.
Sanar os efeitos danosos da seca e até tirar proveito das características climáticas singulares do Nordeste é tarefa que nos compete realizar, de uma vez por todas, a partir de um enfrentamento coerente que conjugue obstinada determinação política, criteriosa utilização dos meios científico-tecnológicos e planejamento estratégico adequado.
É preciso que troquemos a idéia de acabar com a seca pela noção de conviver com ela. Temos de aprender com ela. Em vez de remediar seus efeitos, temos de investir em pesquisa e tecnologia de ponta, em programas consistentes de longo prazo e na correta capacitação daqueles que vão executá-los. Dentre as muitas coisas que temos a fazer, há que mudarmos a estrutura fundiária do Nordeste. Temos também de criar atrativos para que mais capital privado se fixe na região. Temos ainda de extirpar da mentalidade do nordestino a chamada "cultura da seca", para que esta dê lugar a um novo paradigma de organização e participação comunitária.
É imperioso, Sr. Presidente, que haja neste contexto o estímulo a uma postura participativa por parte das populações envolvidas. Cabe às esferas de governo propiciar que a representatividade social se exerça de forma ativa e reativa, em lugar da atitude passiva, até hoje alimentada pelo rescaldo de antigos padrões do clientelismo servil.
Não bastam, portanto, a vontade política e a adequada ação dos governos. Cumpre que se desenvolva uma efetiva mobilização social. Ademais, haveremos de priorizar a sustentabilidade, compatibilizando um equilibrado crescimento econômico com as vocações naturais da região.
O clima semi-árido tropical do Nordeste proporciona alta luminosidade, calor constante e baixa umidade relativa do ar, o que, associado à irrigação, resulta em maior velocidade de crescimento das plantas, maior produtividade e menor incidência das pragas. Experiências bem-sucedidas vêm sendo desenvolvidas com o emprego de diversificadas técnicas, com métodos de irrigação mais adequados. A exploração do vasto potencial da Região para a instalação de agroindústrias orientadas à fruticultura tende, principalmente, a potencializar a capacidade de geração de empregos.
O investimento para se criar um emprego no setor de hortifruticultura é da ordem de US$6 mil, quinze vezes menos do que o necessário para se criar um emprego na indústria automobilística, por exemplo. Devemos, sem dúvida nenhuma, planejar o gerenciamento hidroambiental e de águas subterrâneas, cujas reservas exploráveis se estimam em 200 bilhões de metros cúbicos anuais.
Para concluir, devo dizer que o povo nordestino precisa, sim, de apoio do Governo e de campanhas que envolvam o País, mas o que mais quer e merece é a oportunidade de trabalhar e de ganhar a vida com dignidade, com seus próprios esforços e sua enorme capacidade.
Era o que tinha a dizer, no momento em que agradeço a V. Exª e aos Srs. e Srªs Senadoras presentes. Muito obrigado.

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