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Alagoas de ontem/Alagoas de hoje

No lado da oposição ao governo Lula, o senador Teotonio Vilela Filho (PSDB) reclamava, em 07/03/2005, no plenário do Senado Federal, da burocracia da máquina pública para ajudar as vítimas da estiagem.
No destaque mais abaixo, Vilela reclama da transposição do rio São Francisco, um "projeto faraônico". Dez meses depois deste discurso, ele assumiria o Governo de Alagoas. E seria a favor da transposição.

O SR. TEOTONIO VILELA FILHO (PSDB – AL. Pronuncia o seguinte discurso.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, São José da Tapera, no alto sertão das Alagoas, é um dos Municípios com menor IDH do Brasil. É um dos 28 Municípios alagoanos que já decretaram estado de emergência por causa da seca em meu Estado. É um dos 28 Municípios alagoanos que, mesmo sob emergência, não tiveram o decreto reconhecido pelo Ministério da Integração Nacional, porque provavelmente se esqueceram de preencher algum quadro no Complexo Avadan ¿como é chamado, na burocracia federal, o laudo de avaliação de danos exigido pelo Ministério.
Enquanto isso, os sertanejos penam à espera da providência que nunca por chega parte do Ministério da Integração Nacional, por parte do Governo Federal. Padecem com o fantasma da fome, da sede e da perda do rebanho.
Tem-se tornado comum, Sr. Presidente, nas últimas semanas, a publicação de manchetes nos jornais do meu Estado, mostrando a situação de penúria a que está submetida a população das áreas mais afetadas pela estiagem.
Nesse contexto, cabe ressaltar o caso de suicídio do agricultor José Rosa Soares, morador da zona rural de São José da Tapera. Aos 43 anos, Zé Rosa avisou à mulher e aos filhos que faria uma viagem e que não precisavam esperá-lo. Ele já vinha reclamando, Sr. Presidente, da calamidade provocada pela seca havia vários dias. Saiu de casa na madrugada da caatinga, caminhou até o poço seco, que já não abastecia a família, tomou veneno e morreu.
Contam os jornais que Zé Rosa pensou em viajar, como fizeram e fazem milhares de nordestinos, quando o sol seca e esturrica tudo na caatinga: a roça, o açude, a cacimba e a esperança.
Muitos querem arribar, como muitos outros já arribaram em tempos outros, inclusive o Presidente da República. É a triste partida do homem nordestino, como saída única e capaz de livrá-lo do infortúnio de ver o que o seu coração de pai não suportaria: o sofrimento dos filhos e a perda de tudo o que conseguira a muito suor e trabalho. A vida, Sr. Presidente, Srs. Senadores, muitas vezes não tem tempo para formulários. E mesmo a esperança que tudo espera, às vezes, desespera com a burocracia.
Apesar de todas as limitações de recursos humanos, a Prefeitura de São José da Tapera talvez atenda às infindáveis exigências burocráticas do Ministério da Integração. O que não se sabe é quando o Ministério, do alto de seu zelo burocrático e de sua insensibilidade social, reconhecerá o que os jornais reconhecem, os sertões sofrem e os nordestinos choram: é seca. Com decreto ou sem decreto, com Avadans ou sem Avadans, é seca.
Como na música, outubro passou, novembro e dezembro também. O sertanejo olhou as barras do horizonte, mas barra não tem. Como na música do velho Luiz Gonzaga e de Patativa do Assaré, a chuva não veio. Como na vida, março já vai alto. Daqui a poucos dias, já teremos o dezenove de março, a data emblemática e limite para os sertões. A Senadora Heloísa Helena conhece muito bem essa data, porque no calendário do clima é a passagem do equinócio de verão. No calendário de esperança do sertanejo, é o Dia de São José, a derradeira data para esperar a chuva e a lavoura. Mas março já vai alto, no sertão inteiro o verde já se foi, o tempo secou, a terra rachou. Mais que um prenúncio inquietante, parece uma sentença terrível. É seca. É seca como há anos não tivemos, pois grande parte de açudes e barragens arrombou, no ano passado, com as chuvas mais intensas nos últimos 90 anos. É seca como desde o ano passado se previa. É seca como há muito se temia. Só o governo não enxergava.
Em Alagoas, já são 28 Municípios em estado de emergência. No Nordeste inteiro, são mais de 500, embora o Governo Federal possa argüir, com nenhuma razão, que o número não é esse. A lei atual exige que o estado de emergência precisa ser decretado pelo prefeito do município, referendado pelo Governador do Estado e reconhecido, ao final, pelo Governo Federal, por meio do Ministério da Integração Regional. E não há quem arranque desse governo um decreto só de reconhecimento de emergência. Até hoje, dos 500 municípios que decretaram emergência em todo o Nordeste, um somente conseguiu arrancar o reconhecimento. Agora a seca se reduz por decreto. Pode acabar o mundo, para esse Governo só existe seca se o Diário Oficial admitir.
Na semana passada, reuniram-se em Campina Grande, na Paraíba, estudiosos de climatologia de todo o País e concluíram que a região terá, nos próximos anos, chuvas inferiores à média histórica. A redução, este ano, poderá chegar a mais de 50% em relação à média. Este é um eufemismo técnico para se referir ao que todo nordestino conhece e sofre como seca.
E a seca está apenas começando. Todos os institutos de pesquisa do clima previram o que já se confirma: entre os meses de fevereiro e maio, haverá uma estiagem acentuada no Nordeste e enchentes no Sudeste. Tudo conseqüência direta do fenômeno El Niño, como é chamado o aquecimento anormal das águas do Pacífico. Mas este Governo já entra no terceiro ano sem que tenha uma só proposta consistente para permitir ao nordestino a convivência menos traumática com a seca, Senador Mão Santa.
Nada do que se ouviu até agora permite otimismo. O programa de um milhão de cisternas no semi-árido construiu poucos milhares "para ser mais preciso, em torno de cinqüenta mil cisternas, 5% do total previsto para quatro anos", ou seja, já vai muito e muito atrasado o programa das cisternas. O que saiu dependeu mais da contribuição da Federação Brasileira dos Bancos, a Febraban "quem diria?", que do próprio Ministério da Integração Nacional. Dependeu mais de financiamentos internacionais aos Estados que de recursos a fundo perdido do Governo Federal.
A transposição é apenas mais um projeto faraônico de longo prazo sobre o qual me deterei especificamente nos próximos dias dessa tribuna. Mas, a cada dia, esse projeto da transposição parece mais remoto por sua inviabilidade econômica, por sua inconsistência técnica e, sobretudo, pela flagrante contradição de se iniciar uma obra de tal vulto quando outras muito menores, mais urgentes e de efeito mais amplo estão paradas, suspensas ou vetadas por falta de recursos.
A tragédia do suicídio de Zé Rosa acontece exatamente na mesma São José da Tapera, no Estado de Alagoas, que os levantamentos oficiais apontaram como um dos mais baixos IDHs do Brasil. Quando saíram os números, houve uma grande consistência cruzada de socorro ao Município: programas de suplementação alimentar, de construção de casas populares, de abastecimento de água, de saneamento básico e de transferência de renda. O próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso foi a São José da Tapera lançar o Programa Bolsa-Alimentação.
O panorama social de São José da Tapera começou a mudar, mas muitos programas, mal começaram, já pararam ou simplesmente acabaram, engolidos pela burocracia do atual Governo ou paralisados por sua revoltante insensibilidade. No referido Município, como em todo o sertão, falta hoje até água de beber em muitas localidades. O Governo Federal não libera os recursos para o carro-pipa. São os Municípios alagoanos, com toda a penúria de seus orçamentos, que estão custeando o socorro da emergência, enquanto o Ministério da Integração confere formulários… Em Alagoas, o Governo do Estado destinou emergencialmente R$100 mil para carros-pipas. Segundo o cálculo dos jornais locais, foram atendidas 294 famílias, pouco mais de mil pessoas.
Enquanto o Governo manobra o projeto de R$4,5 bilhões da transposição, todas as obras das adutoras de Alagoas estão paradas, as do Canal do Sertão também. As Prefeituras praticamente não têm carros-pipas para abastecer a população.
O Sr. Mão Santa (PMDB – PI) – Senador Teotonio Vilela Filho, V. Exª me concede um aparte?
O SR. TEOTONIO VILELA FILHO (PSDB – AL) – Concedo um aparte ao Senador Mão Santa, lembrando que o tempo já se está esgotando.
O Sr. Mão Santa (PMDB – PI) – Senador Teotônio Vilela Filho, estamos diante do Presidente mais oxigenado do PT. S. Exª tem tolerância e sabedoria para ver que o tema é importante. Gostaria de advertir V. Exª e de aumentar as suas preocupações. Fui prefeitinho e Governador do Estado do Piauí em tempo de seca. Atentai bem, Tião Viana! Lula não foi prefeitinho, nem Governador de Estado. E vai ficar pior! As suas preocupações terão que ser do tamanho do grande líder Teotônio Vilela em sua luta contra Ditadura. Digo isso porque, naquela época, havia a Sudene e departamentos especializados para resolver esses problemas. Lembro-me de um fato ocorrido quando governava o Piauí, para demonstrar como o raciocínio é técnico. E é preciso ter sensibilidade política e responsabilidade administrativa, essas duas pernas! Aliás, estas minhas palavras só terão valor se o núcleo duro for sensível e, nessas mudanças, levar um homem como o Senador Tião Viana para o Ministério da Saúde, porque tem a sensibilidade política, além do conceito que goza na classe médica. Como ia dizendo, Senador Paulo Paim, certa vez fui chamado pelos técnicos. Sabemos que a seca é dramática, traz fome, miséria, e temos que agir com emergência, pois quem está com fome tem que comer, quem tem sede tem que beber! Está até na Bíblia: "Dai de beber a quem tem sede e de comer a quem tem fome". Mas suspenderam de chofre, abruptamente, aquelas cestas alimentares para os nordestinos, e fui aos técnicos. O técnico puxou o computador e disse: "Choveu no Piauí". Então eu disse: "Meu amigo, choveu no Piauí, mas daqui até que esse pessoal vá plantar para colher…" Esse é um raciocínio econômico, frio, técnico. Então, o PT precisa urgentemente de pessoas que tenham mais sensibilidade. E estamos diante de dois do melhor esquadro. Ó, meu Deus, que nessa reforma o Lula se inspire e leve Tião ou Paim para melhorar esse time que está aí!
O SR. TEOTONIO VILELA FILHO (PSDB – AL) – Estou muito honrado com o aparte de V. Exª, Senador Mão Santa.
Sr. Presidente, apenas para concluir.
Este ano, o Rio Grande do Sul, do Senador Paulo Paim, também está experimentando seca, segundo os jornais. Santa Catarina, pelo que dizem os jornais, também está sem chuvas. A diferença, Senador Paim, é que no seu Estado o problema é sobretudo econômico. Não há uma gigante tragédia social.
Em muitas áreas do semi-árido é o oposto, devido ao alto índice de miserabilidade existente. Sempre impressiona perceber que um único dia de geada no Sudeste causa mais prejuízos econômicos do que um ano inteiro de seca no Nordeste. A economia do semi-árido é tão frágil que uma seca não provoca nenhum desastre econômico, provoca um verdadeiro cataclisma social.
Entretanto, o Governo faz de conta que não é com ele. Não faz nada, e nada propõe. A continuar como está, teremos essas e muitas outras secas. Como nos anos passados, ouviremos as mesmas propostas, os mesmos desabafos. E a televisão nos comoverá com as mesmas cenas de mães que não têm o que dar aos filhos, ou de famílias que se separam, de pais e irmãos em busca de trabalho no Sudeste. Talvez outros "Zé Rosas" apareçam em São José da Tapera, ou Nordeste afora, pois, afinal, ninguém poderá saber o que fará um homem quando não lhe resta esperança, só lhe resta desespero. Uma única cena talvez não se repita, Senador Mão Santa: a do retirante pernambucano que vira Presidente da República, com um discurso que só ele tem condição de fazer pelo Nordeste, porque só ele conhece e viveu o drama dos nordestinos.
É indiscutível, Srªs e Srs. Senadores, que o Presidente Lula viveu como ninguém a tragédia da seca. Mas, em dois anos de Governo, ainda não conseguiu lembrar nada ou já esqueceu tudo e talvez até a música do velho Luiz Gonzaga e do Patativa do Assaré. Como na música, outubro passou, novembro e dezembro também. Como na vida, março já vai alto. O sertanejo olha a barra do horizonte, mas a barra não tem, é seca. E todos estão entregues à própria sorte.
Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.
Obrigado.

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