Luis Vilar
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Tento não ler páginas policiais. Convivo com elas – única e exclusivamente – por conta dos insuportáveis ossos do ofício. É preciso estar bem informado. É imprescindível – por exemplo – chegar à redação de um jornal sabendo das últimas do Caso Isabella. Porém, apesar do conhecimento dos detalhes sórdidos de cada caso e da constatação da barbárie humana, a dor que nos consome, que nos aflige, não encontra razão de ser. Mergulhados em um tempo de acontecimentos sem sentido, apoiamo-nos em valores frágeis, dilacerados pela impunidade, pelo desrespeito, pela ausência de compaixão, ou até mesmo pela perda de um sentimento qualquer que ainda nos una.
Estamos em estado permanente de guerra. Seja numa barbeiragem de trânsito, que muitas vezes reagimos de forma desproporcional, ou então na ducha de água fria que é dada em nossa esperança ao assistirmos as últimas notícias do jornal da madrugada. Seqüencialmente, as desgraças, as tragédias e a divina comédia humana impõe ao nosso cotidiano uma overdose de informações; um mar de sangue. Navegando sem orientação, nem bússola, no olho do furacão desta ferida aberta, estamos nós. Sabendo de tudo, mas sem saber o sentido! Ou então, como diria o escritor inglês Oscar Wilde sabendo o quanto custa cada coisa, mas sem entender o seu real valor.
Em um tempo onde só são admissíveis ordens de grandezas quantificáveis, o amor incomensurável e sem tamanho – por maior que seja – não encontra espaço. Sou do tempo em que os pais amam as filhas, diriam alguns ao ver o Caso Isabella. Outros dizem com medo, sou do tempo em que rezo para que aqueles que eu amo não me atirem pela janela, tendo ou não motivo aparente. A tragédia da menina Isabella é a tragédia de nosso tempo.
É a expressão em lente de aumento de uma sociedade órfã de sentido. Como professor, já pude presenciar garotos levando armas para escolas de classe média alta. Indagados, diziam que pertenciam aos pais. Quando estes eram chamados à escola, defendiam os filhos, alegando que era errado ele estar com arma na escola, mas que não tinha perigo, pois ele já sabia atirar. Pai e filho cassavam animais juntos.
A gente sofre por não entender o incompreensível que vai ganhado – a cada tragédia consumada – o status de normalidade. Aliás, anormais estamos ficando nós, que ainda nos indignamos, nos importamos, amamos, choramos, brigamos e até oramos pelo próximo. Nós, os anormais. Vivemos resistindo à condição de pedra. Vivemos correndo na contramão contra a barbárie. Vivemos buscando um sentido, quando muitos já nem se importam se ele existe ou não.
Não suporto a pirotecnia da imprensa, que finge querer Justiça para obter audiência. Se pudessem, colocariam a queda ao vivo e com um efeito especial, os rostos de Alexandre e Anna Carolina ao lado. É a mesma indignação que sinto, quando leitores do Alagoas 24 Horas mandam e-mails desaforados querendo a exposição dos cadáveres dos homicídios que registramos mais “de perto”. “Não dá para ver o furo da bala”. Manchete: “Homem é degolado”. Comentário: “Cadê a foto da cabeça mais de perto”.
Qual a sensação que os movem? Eu me interrogo isto. Quando estou cobrindo uma reportagem deste tipo, evito ver, chegar perto. Mas, a foto tem que estar lá: ossos do ofício, ou melhor: “ossos da audiência”. “Querem sangue/ Querem lama/ Querem à força e o beijo na lona/ E querem ao vivo”, diria o compositor Humberto Gessinger, na música Freud Flinstone. É a pura verdade! Se for esquartejamento? Querem a exposição de cada pedaço. É o nosso tempo, parece ser o nosso espelho. Outro dia acessei o próprio site no qual trabalho com minha filha no colo. Era manhã de domingo, salvo engano. Ela me perguntou: “Pai, porque se tira foto de gente dormindo no meio da rua?”.
A inocência ainda grita em nosso tempo. Ela pode ser a chave da mudança, mas depende tanto de nós, que dá até medo. Entre a classe média ignorante, estapafúrdia, sonhadora, consumista, hipócrita…e a miséria e sua lei da selva em busca da sobrevivência, tudo é medo. Lá no topo deste tempo, os encastelados acéfalos nadam em rios de dinheiro e se protegem da sociedade que criaram. Todos nós fizemos este pacto.
Queremos que o casal Nardoni seja preso. Se foram de fato eles, eles merecem sim a cadeia, por muito tempo. Mas tratamos o Caso Isabella como um fato isolado. Não enxergamos o quanto está intrínseco no mundo que construímos a violência que nos deixa perplexo e os fatos que não entendemos. Só para citar um exemplo: aqui em Maceió – de uma forma tão brutal quanto – um garoto de apenas 11 anos foi morto a pauladas. O crime pode ter sido cometido pela madrasta.
Alguns diriam: são animais. Eu discordo, os animais criam muito bem de suas crias, a ponto de apenas o ser humano poder comprometer o fim de suas espécies. Estes fatos que nos chocam são meramente humanos. Animais não fazem isto. Só atacam por motivos justificáveis. São fatos meramente humanos, volto a repetir. São só nossos. É o apetite aguçado pelo sangue, pela maldade, pela simples e mais pura maldade, que anda o tempo todo entre nós!
Ainda bem que ainda existem os que buscam sentido, os que – de forma indignada – sonham e cumprem como dever do ofício as nossas características mais belas: a compaixão, o amor, a honestidade, a integridade, dentre outras. É por estas pessoas, que ainda vale a pena acreditar que há um sentido.
Caro Arlindo José de Lira, o senhor está mais do que certo quanto a sua reclamação e peço desculpas. Costumo tentar colocar um texto por dia no meu blog e manter a regularidade. Mas, nos últimos dias tive contratempos de ordem pessoal. Peço humildemente desculpas e sei que de fato é um "absurdo". Ao mesmo tempo que peço desculpas ao senhor, peço a todos que acompanham o meu blog e agradeço pela atenção. Procuro manter um espaço democrático, o que significa aprendizado e troca de experiências, o que por sua vez é fundamental em minha profissão. Espero não perder leitores como o senhor e outros que me dão orgulho de manter este espaço, mesmo quando divergimos.