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Luis Vilar

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Carta ao ladrão

Senhor ladrão,

Permita-me apresentar. Sou trabalhador, o que em Alagoas é sinônimo de sofrido assalariado, como em tantas outras profissões. Levei mais de vinte anos para conseguir comprar um carrinho financiado e há meses que ainda pago juros a mais na parcela, por não conseguir pagar em dia. Ainda não conquistei o direito à casa própria, mas ousei ter família, que é meu grande alento em um Estado que tem se mostrado – em fatos – pouco promissor, mas que – pela esperança e pela fé – ainda acredito que as coisas mudem, principalmente por conhecer pessoas de boas índoles, nesta minha caminhada.

Mas veja bem, minha carta é destinada ao senhor (já que ocupaste a condição de “senhor” com este trabuco na mão de algum calibre que não especifico agora). Afinal, não posso chamá-lo de bandido ou criminoso. Seria um insulto que poderia me render um profundo buraco de estrago irreversível bem no meio da testa. Então, como estava dizendo: senhor ladrão, vamos estabelecer ao menos critérios de prioridade para poder disciplinar o roubo, já que – visivelmente – temos demonstrado incompetência de combatê-lo.

Sendo assim, se cruzares por mim e vier – de súbito – o impulso de me assaltar; lembro ao senhor que faço parte da classe dos inúmeros trabalhadores que já são assaltados diuturnamente e incansavelmente por taturanas, mensaleiros, e outras pragas desta horta de onde germinam cartões corporativos e fraudes. Então, tenha dó. Mas, se ainda assim persistir a vontade, o fetiche, a maldade, a traquinagem, ou a travessura contida no mal; não me mate. Posso, ao longo de outros futuros vinte anos, me reabilitar para recuperar tudo aquilo que levastes em instantes.

Devo até confessar, que já ando saindo de casa com o dinheiro destinado ao senhor. Então, leve só esta pouca quantia, pois já tenho pelo menos dois assaltos – em minha trajetória de vida – para chamar de meus. Ah, deixe-me vivo, por favor. Sabe como é: não sou famoso, não irei causar comoção popular, nem virar notícia. Então, eu morrendo ou não, o senhor há de poder continuar desfrutando da impunidade. A diferença é que caso eu fique vivo, vou poder continuar desfrutando da minha família, enfim. Prometo não lhe denunciar, até porque não vai dá em nada! Denunciei outros dois roubos, inclusive de um carro. O veículo nunca foi encontrado. Ninguém foi preso e o delegado ainda me disse “é assim mesmo”.

Agora, pensando um pouco no coletivo. Meu caro ladrão, evite assaltar escolas – vi que na última semana o senhor esteve em duas – e igrejas. Estes locais ainda são símbolos de um futuro em que o senhor pode não existir e ser substituído pela cidadania, justiça social, igualdade e leis rígidas para os infratores. Quando assaltas um lugar destes, não se rouba apenas o material físico, mas um pouco de nossa esperança e de nossa fé. Não nos roube o que há de mais abstrato e bonito em nós. Acredito, às vezes, que há um pouco disto no senhor também. Sabe-se lá da história que tivestes até empunhar esta arma que me faz chamá-lo de senhor.

Para finalizar, senhor ladrão! Confesso que muita gente que conheço anda até se acostumando com a violência e perdendo a capacidade de se indignar. Então, já que estamos órfãos – em todas as esferas – do poder público, vamos conciliar algumas regras para o assalto. E não me assalte no domingo, afinal de contas eu preciso descansar. Chega de ter que sentir medo todo dia. Isto cansa. Permita-me que no domingo, possa colocar familiares no carro e ir a alguma praia descansar. Ponha-se também no meu lugar.

Com ironia e abraço fraterno

Sua futura vítima

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