Estava dando as devidas explicações a um jovem paciente quanto ao uso do aparelho móvel após o tratamento com o aparelho fixo. Expliquei a necessidade de usá-lo diariamente sob risco de por a perder toda correção obtida caso não o usasse corretamente.Então alertei-o também a guardar o tal aparelho numa caixinha apropriada para não perdê-lo...
-Depois não diga que não avisei…-sentencie.
-Mas, quanto é esse aparelho, doutor? -perguntou preocupado.
Então falei o valor.
-Tudo isso??? -falou espantado -Mas doutor, vou pagar tudo isso pelo outro aparelho???
Então pacientemente repeti que ele só iria pagar esse valor caso não tomasse cuidado e perdesse ou quebrasse o aparelho. Mas, ele insistiu:
-Mas doutor, não dá para dar um desconto? Achei caro. Meu pai certamente vai reclamar muito!
Então respondi menos calmo:
-Meu amigo, você só vai pagar esse valor se você perder o aparelho. Não quer pagar? Então cuide e não perca!!!
Respirei fundo a fim de retomar a paciência com o rapaz que continuava inconformado com uma despesa que ele poderia jamais vir a tê-la -e relatei a ele e à minha atendente, que àquela altura ria escondida no canto, um episódio semelhante que passou-se com minha filha.
Certa vez, mandei-a arrumar seu quarto que estava bagunçado , e que se não o fizesse iria passar uma semana sem celular. E por fim alertei:
– Depois não diga que não avisei…
-Mas pai, uma semana???- disse com os olhos cheios de lágrimas.
-Sim, minha filha. Se você não arrumar o seu quarto, vai ficar sem celular por uma semana!
-Mas pai, uma semana sem celular é muito tempo!-falou com a voz engasgada.
A correlação entre os dois casos foi para lá de apropriada. Tanto meu jovem paciente quanto minha filhota adolescente eram incapazes de perceber quão precipitados estavam sendo em seus virtuais sofrimentos, mostrando uma enorme incompreensão da relação “crime-castigo”, caso não obedecessem ou não tomassem os devidos cuidados. Em ambos os casos os avisos foram tomados como certeza de punição, não atentando para o fato de que bastavam fazer a sua parte no combinado -que cá para nós não era nada demais- para não gastarem dinheiro ou não ficarem sem o bendito celular por uma semana.
Imagine se levarem esse conceito para a vida adulta, onde somos assolados diariamente pela relação “causa-consequência” diante das nossas escolhas, ações e não-ações.