Há alguns anos, no meio do expediente chega a minha antiga atendente à época e diz: – Doutor, onde o senhor compra copo descartável aqui pro consultório? – Ah, não tem lugar certo, mas geralmente em alguma loja de descartáveis. Por que ? – Sabe o que é, doutor? Na próxima vez...
Há alguns anos, no meio do expediente chega a minha antiga atendente à época e diz:
– Doutor, onde o senhor compra copo descartável aqui pro consultório?
– Ah, não tem lugar certo, mas geralmente em alguma loja de descartáveis. Por que ?
– Sabe o que é, doutor? Na próxima vez que o senhor for comprar, compre do Seu Zezinho! – “Seu Zezinho” era o zelador do prédio comercial onde ficava meu consultório.
– Ele vende é? Não sabia. Bem, se ele vender pelo mesmo preço, eu compro sim!
– Ô doutor, compre mesmo do bichinho. Ele é tão necessitado. Vai ajudar mesmo o coitado. Além do mais, o preço dele é ótimo. Ele vende bem mais barato que nas lojas!
Lembrei-me da cara de coitadinho do pobre homem e perguntei:
– Legal isso né? Ele faz esse serviço porque ao menos ganha um extra!
– Pois é, doutor!
Perguntei curioso:
– Então ele compra em quantidade e depois revende?
– Não doutor, ele pega lá na despensa e então vende. Engasguei-me com o copo d’água dando um salto da cadeira.
– Como é que é???
– É doutor, o bichinho pega lá embaixo na despensa que é cheia de caixas de copos descartáveis e então vende!
Já vermelho de revolta quase gritei com a minha atendente:
– Quer dizer que ele rouba os copos e vende??? – perguntei furioso.
Ela olhou-me espantada e afirmou:
– Não, não doutor. O que é isso? O Seu Zezinho não é disso não. Ele pega na despensa e vende. Que coisa! Como o senhor pode falar isso do coitado? – respondeu indignada.
Não aguentei:
– Você tá de brincadeira??? Esse elemento está roubando o condomínio. Cabra safado. Será que você não está vendo isso? -explodi sem conseguir conter minha revolta.
Ela sem entender nada continuava defendendo o Seu Zezinho:
– Doutor, se o senhor não quiser ajudar, não ajude, mas não fale assim daquele coitado. Ele faz isso para ganhar mais um trocadinho…
– Roubando??? Isso é certo? Roubando de mim e dos outros condôminos? Será que você não consegue entender que esse homem é um ladrão, minha filha?
Ela com a voz meio chorosa dizia que não via problema algum com aquilo, que ele vendia os copos porque as pessoas precisavam e assim não precisavam comprar em alguma loja distante, etc…
Eu espantado com tamanha ingenuidade tentei falar com calma:
– Olha, imagine que você chega para o dentista da sala 17 oferecendo luvas descartáveis e ao ser perguntada sobre a origem destas luvas você esclarece que pegava no meu armário!
– Não doutor, é diferente…
– Sim, porque um é copo e o outro é luva!
– Olha doutor, esqueça. Compre esses copos onde você quiser. Tem outras salas que estão comprando e…
– Eu vou é chamar a polícia para levar esse safado!
– Ai meu Deus doutor, não faça um negócio desse não. O coitado não é ladrão não. Me prometa que não vai falar nada nem chamar a polícia. Por favor! -disse já chorando.
E assim tive que engolir esse ladrãozinho oportunista para não complicar minha atendente ou talvez por pena mesmo do safado. Mas, fiquei estupefato com tamanha ingenuidade ou mesmo estupidez da minha atendente em não perceber um ato desonesto claro, fazendo inclusive a defesa do meliante. Pensei quantas pessoas cometiam ou eram coniventes com o dolo, com o errado e com o crime, sem remorso ou arrependimento algum por não enxergar a natureza desonesta de uma determinada ação – acho que até um pouco da parte do tal zelador, já que o infeliz oferecia os copos que surrupiava ali mesmo em seu local de trabalho.
Dois dias depois ela chega e me diz que finalmente entendeu o que fazia o Seu Zezinho, que ele era um safado, ladrão, etc, etc, etc…
Pouco tempo depois o pobre coitado foi demitido sei lá eu porque. Eu até hoje não esqueci do ocorrido e me divirto contando da defesa indignada da minha atendente que me ofereceu uma “grande oportunidade” de comprar copos descartáveis a um precinho camarada.
Ah, Seu Zezinho desgraçado…