Tem três assuntos que a maioria das pessoas odeia discutir que é o indefectível trio: política, religião e futebol. Engraçado que estão entre os meus assuntos preferidos para uma discussão sadia, pacífica e sensata e de preferência regada a um bom vinho. Posso afirmar que depois da discussão sobre quem foi a vilã mais...
Tem três assuntos que a maioria das pessoas odeia discutir que é o indefectível trio: política, religião e futebol. Engraçado que estão entre os meus assuntos preferidos para uma discussão sadia, pacífica e sensata e de preferência regada a um bom vinho. Posso afirmar que depois da discussão sobre quem foi a vilã mais malvada das novelas, se Carminha ou Nazaré Tedesco, discutir sobre qual melhor sistema de governo, qual a religião mais coerente e quem foi o campeão brasileiro de 1987, sempre rende boas horas de conversa mole e prazerosa -justamente aquelas em que não se chega a lugar algum.
Pois bem, feita a introdução, atrevo-me a tratar agora sobrea um dos temas mais espinhosos dentre os acima citados que é religião. Mas, não pretendo aqui ater-me sobre a questão mística e espiritual da coisa -essa sim, polêmica e estritamente pessoal- apenas sobre a questão filosófica dela.
Todos nós sabemos quão diferentes são as civilizações oriental e ocidental. Não são só os olhinhos puxados que nos diferenciam, mas também os valores, a cultura, os costumes, as roupas, os hábitos e também a forma de encarar a vida. E a religião sob a qual são forjadas diz muito sobre cada civilização. Nós ocidentais, fomos criados, na grande maioria, sob a filosofia do cristianismo, com todas as dores e delícias dos seus conceitos e verdades absolutas. Já os orientais crescem sob os ensinamentos budistas, que pregam algo completamente diferente da nossa religião cristã; e isso faz muita ou toda diferença sobre nossa cultura e comportamento.
Somente há poucos anos comecei a me interessar e ler sobre as religiões orientais e percebi exatamente qual o ponto de maior divergência entre ambas: o amor. Eu explico.
Aprendemos no cristianismo que o correto era amar. Aliás, amar desmedidamente e acreditar. Acreditar num Deus benevolente e justo que no final nos premiaria com o paraíso. Acreditar também, que devemos amar ao próximo -até o inimigo- como a nós mesmos e que os acontecimentos ruins fazem parte de um plano maior. E assim, a civilização ocidental foi talhada a ferro e fogo sob o discurso cristão, na maioria das vezes bastante deturpado e usado como pretexto para as maiores atrocidades.
Já a filosofia religiosa budista ou oriental, nos ensina a sermos mais pragmáticos e cuidarmos de nós mesmos. Não chega a ser um cada um por si, já que o entendimento de se respeitar todas as criaturas vivas é até maior que no cristianismo. Mas, ela nos orienta que para minimizarmos eventuais dores , devemos enxergar as coisas com bem menos apego, ou bem menos amor, diriam os mais radicais. Já que não há garantia alguma que a fé e devoção religiosa nos poupariam de eventuais sofrimentos ao longo da vida -em religião alguma, diga-se de passagem – a orientação é que entendamos que tudo é passageiro -ou impermanente- tanto a felicidade quanto o sofrimento, por isso, devemos não nos apegar tanto a tudo e a todos -seria quase um “menos amor, menos sofrimento” diriam os incautos. No budismo, ao contrário do cristianismo, devemos buscar força, paz e respostas não fora de nós, em Jesus, Deus ou santos, mas dentro de nós mesmos. Nossa essência, ou nossa espiritualidade, seriam capazes de nos acolher e nos proteger do mundo lá fora -exatamente o oposto do cristianismo que nos pede para confiarmos em Deus e amarmos sem medida, aproveitando as dores e as delícias do amor, ah o amor… Então, em nós ocidentais, neófitos na filosofia oriental, bate aquela dúvida existencial: quem estaria certo? Qual o caminho a seguir? Seria um dilema quase hamletiano: “amar ou não amar, eis a questão”.
É impossível, a essa altura do campeonato, fechar uma questão sobre esse tema. A vida, na maioria de nós mais vividos, já tratou de nos bater no lombo o suficiente para virarmos gatos escaldados, mas, em contrapartida, também nos trouxe felicidades e canduras demais para deixarmos de nos entregar às deliciosas sensações que o amor nos proporciona. O dilema, portanto, resume-se entre entrega ou proteção, resignação ou providência, eternidade ou impermanência, orar para fora ou meditar para dentro, mas sempre com o mesmo objetivo comum: elevar-se. Isso talvez, seja o que mais importa: evoluir espiritualmente. Seria mais ou menos como viajar com a cabeça para fora ou para dentro do carro -ambos chegarão ao mesmo destino, só que um chegará com a cabeleira mais assanhada que o outro.
Pois é, amar é assanhar os cabelos, é receber vento no rosto, embora haja o risco de um cisco no olho, enquanto o outro lado raspa a cabeça e se protege com os vidros bem fechados.