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Emenda Constitucional nº 64/2010

Os efeitos da Emenda Constitucional nº 64/2010 no direito de família

Após a promulgação da Emenda Constitucional nº 64, que elevou o direito alimentar a categoria de direito social elencado no art. 6º da Constituição Federal, passa-se a interpretar a aplicação do direito a alimentos com mais amplitude e com todos os benefícios que uma interpretação constitucional pode conceber, especialmente em se tratando de direitos fundamentais.

Antes de adentrar no cerne da questão, o presente ensaio debate, perfunctoriamente, a questão da eficácia dos direitos fundamentais na relação entre os particulares (eficácia horizontal), que já ocupa grande espaço na doutrina pátria.

Conforme destaca Hesse (2001, p. 107), “a liberdade Humana pode resultar menoscabada ou ameaçada não só pelo estado, mas também no âmbito de relações jurídicas privadas”, razão por que “só é possível garanti-la eficazmente considerando-a como um todo unitário.”

A partir de meados do século XX, começaram a surgir novas vozes que sustentavam a tese da aplicação direta dos direitos fundamentais não só na relação entre o Estado e os particulares, mas também na relação que envolve particulares entre si.

Com o debate acerca da eficácia horizontal, assume relevo o debate relativo ao grau dessa incidência e de como se chegar à melhor solução no caso concreto, especialmente no Direito de Família. Assim, podemos apontar algumas situações que podem servir de exemplo: pode um pai testar toda a parte disponível da herança, em favor de um filho, em detrimento do outro, por este ser homossexual? Pode um pai ser solidário com um filho, em detrimento do outro, por ser contra a religião deste? Pode uma empresa demitir funcionários por que não estão casados segundo a religião católica? Até que grau de parentesco poderá ir a obrigação alimentar? A obrigação alimentar pode surgir na relação homoafetiva?

A teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais tem seu início em Hans Carl Nipperdey, juiz do Tribunal Federal do Trabalho Alemão. Na oportunidade, Nipperdey defendeu que alguns direitos fundamentais não só tinham aplicação direta na relação do indivíduo com o Estado, mas também em toda e qualquer relação de poder, tendo uma ligeira inclinação para a eficácia direta ou imediata.

Na Alemanha, o Tribunal Constitucional Federal (Bundesverfassungsgericht) tem entendimento segundo o qual não é possível a aplicação imediata dos direitos fundamentais às relações privadas, sendo necessária sua concretização pelo legislador, por isso sua aplicação, nas relações privadas, somente se realiza através de outra norma (eficácia indireta).

No Brasil o tema vem despertando interesse pela doutrina de forma progressiva, após a Constituição de 1988, tendo uma tendência para a aplicação direta, isto é, sem necessidade de norma infraconstitucional.

Nosso entendimento segue aqueles que defendem a eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações privadas. Podemos citar muitos doutrinadores que são adeptos desse pensamento. Apesar de não ter logrado muito sucesso entre os autores na Alemanha, na Espanha, temos Tomás Quadra-Salcedo, Juan Maria Bilbao Ubillos e Antonio-Enrique Perez Luño, que defendem a aplicação direta. Já em Portugal, existe dispositivo específico na Constituição portuguesa, em seu art. 18, I, que preceitua: “Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas”, por isso é que portugueses, como J. J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, Ana Prata e Cristina Queiroz, inclinam-se para a tese da eficácia direta. Na Itália, temos Vezio Crisafulli e Alessandro Pace. No Brasil, os defensores da eficácia direta são Ingo Wolfgang Sarlet, Carlos Roberto Siqueira Castro, Gustavo Tepedino, etc.

A eficácia direta é consequência da rigidez e supremacia da Constituição, constituindo uma impregnação dos valores constitucionais, em toda a ordem jurídica, sem qualquer barreira normativa, portanto, as relações familiares podem sofrer intervenções diretas no sentido de garantir a aplicação dos direitos fundamentais.

Advirta-se, de plano, que isso não significa dizer que os direitos fundamentais devam ser aplicados de forma absoluta, nas relações entre particulares, posto que cada caso deve ser avaliado de maneira cuidadosa pelo intérprete, que irá modular a extensão e a incidência da norma por meio de recursos hermenêuticos postos à sua disposição.

Na questão alimentar entre os particulares, o problema gira em torno de como empregar critérios normativos na solução de casos concretos e até que limites isso pode ocorrer. Em outras palavras, questiona-se até que grau de parentesco se pode vislumbrar a obrigação alimentar. É que ambas as partes, envolvidas na solução do litígio, são portadoras de direitos, formando um complexo de direitos e deveres que se limitam e condicionam mutuamente.

Desse cenário, extrai-se que os herdeiros do falecido, por exemplo, deverão ser obrigados a continuar a prestar alimentos até os limites dos valores da herança. Não esquecendo também dos alimentos gravídicos (art. 6º da Lei nº 11.804/2008) e dos alimentos devidos com o fim do casamento homoafetivo.

Doutra banda, é sabido que os parentes em linha reta são credores e devedores de alimentos uns dos outros (art. 1.696 do CC). Já em relação aos colaterais, Maria Berenice Dias (2010) já defendia que a obrigação de prestar alimentos se estenderia até o colateral de 4º grau, ou seja, o primo. É que o art. 1.592 do Código Civil (que trata somente de questões relativas à filiação) estabelece que o parentesco colateral irá até o 4º grau, e os dispositivos do próprio Código, referentes aos alimentos, não estabelecem até que grau poder-se-ia acionar o colateral.

No entender de Berenice Dias, tal fato se deu por que o legislador não viu necessidade de especificar até que grau a obrigação alimentar poderia atingir, portanto, não significa dizer que o legislador tenha dispensado os tios e os primos. Com efeito, após a promulgação da Emenda Constitucional nº 64, a tese, defendida pela Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ganhará mais força e consistência, devendo ser observada, em cada caso, pelo julgador. Anote-se, porém, que o Superior Tribunal de Justiça, em dezembro de 2008, decidiu que os tios não devem ser compelidos a prestar alimentos aos sobrinhos (REsp 1032846), apesar de data maxima venia, não nos filiarmos totalmente ao teor dessa decisão.

Othoniel Pinheiro Neto
Corregedor Geral da Defensoria Pública do Estado de Alagoas

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