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Ana Cláudia Laurindo- Cientista Social
Entre as muitas experiências de leitura que acumulei, existe uma que nunca consegui esquecer: o livro O Castelo, de Kafka. Em resumo, com seu jeitão alemão, um tanto obscuro, o autor me levava a vibrações e náuseas quando desnudava os conflitos do criador humano diante de sua criatura burocrática: o instituído.
Todas as vezes que paro ou vejo alguém parado diante das nossas próprias criações a nos engolir, relembro O Castelo! A total diferença está nos lados onde o indivíduo esteja situado. O instituído está legitimado! Desde que muitos ganham com isso, está legalizado. Nenhum senso de coletividade circula nos corredores do Castelo. Há papéis, leis e intencionalidades. Humanidade é algo risível, o convencimento da objetividade elegeu suas castas. Assim posso compreender aquela brincadeirinha dos rigores e favores da lei!
Desafiada entre a descrença e a insistência, tive em minhas mãos o processo no qual denunciei a tortura vivida por meu filho aos 12 anos, em Matriz de Camaragibe, por agentes públicos de segurança. Li o artigo que enquadrava o ato na qualificação de tortura, quando sob o jugo de autoridades uma criança foi lesionada física e psicologicamente. Também vi a transição penal, resultado do entendimento de um juiz daquela vara, transformando a acusação de tortura em simples lesão corporal. E se fosse o filho dele? Se tivesse sido o filho de algum membro do Castelo político? Se fosse o seu filho, leitor, qual seria sua reação?
Nesse caso qual parâmetro o membro do judiciário utilizou? Entre rigores e favores, a quem essa transição penalizou? Estou outra vez diante do Castelo. Sua imensa porta, semicerrada, me fala de possibilidades. As carrancas aparecem de maneira furtiva, tentando me convencer de que o acontecido com meu filho foi uma fatalidade, banalidade.
O que os articuladores do Direito estão fazendo com a Psicologia e a Sociologia? Nesse mundo de legalidades forjadas quem tem direito ao quê? Tenho o direito de sofrer calada. Tenho o direito de segurar a barra do filho de alma destroçada. Tenho o direito de enterrar seu corpo jovem e aceitar o veredicto das autoridades despreparadas. Tenho o direito de ir embora de Alagoas. Tenho o direito de não fazer absolutamente nada!
Não tinha o direito de denunciar. Não tinha o direito de publicizar. Não tinha o direito de compartilhar. Não tinha o direito de sequer sonhar um tempo de Paz! O anonimato era o meu habitat naturalizado pela divisão das classes.
Quis acreditar ao menos nos Direitos Humanos. Contudo, descobri tratar-se de mais uma das instituições castelares, insígnia de medalhagem garantindo a visibilidade de alguns! As coletividades estão tão largadas como se o Homem Universal jamais tivesse sido descoberto, imagina seus direitos!
Neste obscuro cenário burocrático, institucional, recheado de rigores e favores, olho com tristeza a face mais cínica de Alagoas, vestida a rigor, entre as pompas do moralismo que não disfarça a pertença do Castelo.
No aguarde, seremos vítimas ou réus?
MISSA DE SÉTIMO DIA DE JOSÉ MIQUELINO FERREIRA- PAI DO RADIALISTA ELIAS FERREIRA, SERÁ NO DOMINGO, ÀS ONZE DA MANHÃ, NA IGREJA DE SÃO PEDRO- PONTA VERDE.