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Lei 12.403/11: um novo paradigma

AscomDefensor público Mariano Laura

Defensor público Mariano Laura

Lei 12.403/11: um novo paradigma às prisões cautelares no Brasil
A Lei 12.403/11 que entrou em vigor no último dia 04 de julho (após uma vacatio legis de 60 dias) trouxe sensíveis alterações ao Código de Processo Penal (CPP), notadamente no que tange às prisões processuais, liberdade provisória, fiança e medidas cautelares pessoais.

Inicialmente, cumpre frisar que este novel diploma legal não foi gerado no afogadilho, pelo contrário, é fruto de mais de 10 (dez) anos de discussões no Congresso Nacional, pois o anteprojeto original (muito embora tenha sofrido diversas alterações durante o processo legislativo) elaborado por uma Comissão de notáveis juristas, capitaneados pela Professora Ada Pellegrini Grinover, foi apresentado em 2001 à Casa Legislativa Federal.

Sendo assim, é indisfarçável que o principal objetivo da Comissão elaboradora foi uma ingente tentativa de mitigar o problema das prisões provisórias no Brasil, entendidas lato sensu, como toda forma de prisão anterior ao trânsito em julgado da sentença penal Condenatória (prisão pena), visto que apesar de a regra ser a liberdade do acusado que responda a qualquer processo criminal (haja vista a presunção constitucional de inocência), na prática, a realidade é bem diferente. O País possui, em dados atuais, pelo menos 37% de seus presos privados de liberdade em caráter provisório**. Ora, medidas tendentes a combater a encarceirização cautelar devem ser adotadas com a máxima urgência, sob pena de um colapso no já falido sistema carcerário.

Nesse cenário, nasceu a Lei 12.403/11. Mas afinal, o que muda na prática? Quais os reflexos no mundo fenomênico (real)?

Pensamos, notadamente, levando em conta os perfunctórios objetivos destas breves linhas, bem como, os casos mais rotineiros e o incessante trabalho desenvolvido pela Defensoria Pública do Estado de Alagoas que poderíamos catalogar três notáveis mudanças, senão vejamos:

A uma, o Magistrado ao receber o auto de prisão em flagrante deve adotar uma das seguintes hipóteses: relaxar a prisão caso constate uma ilegalidade; conceder a liberdade provisória com ou sem fiança (lembrando que o instituto da fiança foi revitalizado e agora é possível que a Autoridade Policial a arbitre em crimes cuja pena não ultrapasse 04 anos, mas mesmo assim ela ainda pode ser dispensada diante das condições econômicas do acusado); ou, por fim, caso entenda que deva manter a constrição da liberdade, necessariamente, terá que converter a prisão em flagrante pela preventiva, desde que preenchidos os requisitos desta última, por óbvio.

Aqui reside a principal alteração (nesse primeiro aspecto), colocou-se a prisão em flagrante em seu devido lugar, ou seja, como uma simples medida pré-processual (e administrativa) não podendo mais o flagrante prender "por si só", como se costumava ouvir, impedindo que o Juiz se limite a homologar o auto de prisão em flagrante e manter a constrição da liberdade sem que sejam analisados se estão presentes os requisitos da prisão preventiva, o que era muitas vezes – Equivocadamente – feito na praxis forense. Dito por palavras menos congestionadas, foi positivado (normatizado) o que grande parte da doutrina já advogava anteriormente, toda prisão deve ter necessariamente uma conotação cautelar (instrumental ao processo) e só pode ser mantida quando presentes os requisitos da prisão preventiva, quais sejam, in verbis:" A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria (art. 312 do CPP)"

A duas, com a positivação de inúmeras medidas cautelares pessoais – tais como, por exemplo, comparecimento periódico em juízo, proibição de frequentar determinados lugares, proibição de manter contato com pessoa determinada, proibição de ausentar-se da Comarca, recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o acusado tenha residência e trabalho fixos, et coetera – a prisão preventiva só pode, efetivamente, ser utilizada como ultima ratio (último caso), ou seja, quando não hajam outras alternativas viáveis à encarceirização cautelar do indivíduo. Em suma, a nova Lei tentou frear a banalização do instituto da prisão preventiva, trazendo para tanto alternativas de substituição eficazes, quais sejam: as nominadas cautelares pessoais.

Por fim, e aqui pensamos que reside a alteração mais polêmica. O legislador – atento à função cautelar (instrumental) da prisão preventiva, posto que é inadmissível que uma medida cautelar seja mais gravosa que o resultado final do processo, ou seja, se ao final, caso condenado, o acusado não irá cumprir a pena em regime fechado e poderá até ter a pena privativa de liberdade substituída – vedou, via de regra, a adoção de prisão preventiva aos crimes dolosos que tenham penas máximas iguais ou inferiores a 4 (quatro) anos, conforme teor (a contrario sensu) do art. 313, I, do CPP (nova redação).

Sendo assim, crimes menos graves como, por exemplo, furto simples, receptação simples, apropriação indébita, porte de arma de uso permitido, et coetera, regra geral, não comportam mais a prisão preventiva, logo, o Juiz ao analisar o auto de prisão em flagrante, caso o mesmo esteja hígido (sem vícios) deverá homologá-lo e ato contínuo conceder a liberdade provisória com ou sem fiança (a depender do caso e das condições pessoais, notadamente econômicas de cada um) ao acusado, haja vista que estará, via de regra, vedada a conversão em prisão preventiva.

Nesse ponto, algumas considerações devem ser feitas sob pena de aos "olhos do leigo" gerar o sentimento que agora, nos casos antes citados, ficará o acusado impune. Em primeiro lugar, percebe-se que todos os crimes suso referidos são por sua própria natureza cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa (objetivamente são menos graves), além disso, uma coisa é a vedação da prisão preventiva, ou seja, que o réu responda ao processo preso, mas isso não significa que ele não será processado e se culpado devidamente punido. Frise-se que em tais casos, mesmo antes desta nova Lei a pessoa se ao final condenada dificilmente cumpria a sanção presa, em razão do quantum da pena (e isso não foi alterado). Não obstante, existem outras formas punitivas alternativas – e eficazes – ao cárcere, como, por exemplo, penas restritivas de direitos (utilizadas em todos os lugares do mundo).

Ademais, apesar de não caber mais a prisão preventiva (nestes casos antes mencionados), nada obsta que o Magistrado aplique uma medida cautelar pessoal (em substituição da prisão processual) como visto alhures. Aliás, no mais das vezes, é exatamente isso que o Juiz deve fazer, conforme preconiza a nova Lei.

Em suma, o Direito deve ser interpretado como um todo (sistematicamente) e como dito antes, uma medida cautelar (instrumental) que é a prisão processual não pode ser mais gravosa que o resultado final do próprio processo, foi isso que a nova Lei deixou bem claro e diga-se, por oportuno, em boa hora.

Por fim, cumpre-nos deixarmos bem vincado à população, que a Defensoria Pública do Estado de Alagoas, especialmente por intermédio de sua Central de Flagrantes – setor onde são recebidos os autos de prisões em flagrantes de todo o Estado de Alagoas e de onde partem a maioria dos pedidos iniciais de concessão de liberdade provisória/relaxamento de prisão, com exceção daquelas localidades no interior onde haja Defensor público Natural lotado – já está atenta as novas disposições da Lei 12.403/11 e desde a segunda-feira dia 4/07/11 (data da entrada em vigor da Lei) todos as petições já estão sendo elaboradas utilizando-se racionalmente os argumentos das novas diretrizes legais, notadamente, no que tange ao auxílio e defesa dos direitos de seus assistidos.

Por Mariano Paganini Lauria, Defensor Público do Estado de Alagoas em atuação na Central de Flagrantes da DPEAL e na 17.ª Vara Criminal da Capital (Núcleo de Combate ao Crime
Organizado).

Cumpre ressaltar que este número na realidade deve ser bem maior, pois os dados
do Ministério da Justiça não incluem os presos em delegacias, o que infelizmente ainda é uma prática
recorrente em nosso País e também em Alagoas, principalmente no interior do Estado. (Fonte: Boletim
IBCCRIM. Ano 19 – N.º 223 – JUNHO/2011. pág 01.)

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