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Crônicas e Agudas por Walmar Brêda

Walmar Coelho Breda Junior é formado em odontologia pela Ufal, mas também é um observador atento do cotidiano. Em 2015 lançou o livro "Crônicas e Agudas" onde pôde registrar suas impressões sobre o mundo sob um olhar bem-humorado, sagaz e original. No blog do mesmo nome é possível conferir sua verve de escritor e sua visão interessante sobre o cotidiano.

Todas as postagens são de inteira responsabilidade do blogueiro.

Mundo mágico

Mundo mágico

O amadurecimento que vem  com o passar dos anos, pode nos conduzir a importantes transformações pessoais a partir das mudanças em nossas crenças.  À medida que nossa vida vai acontecendo , vamos absorvendo informações que nos transformam profundamente da infância à idade adulta.
   Creio que uma das maiores transformações que sofri, refere-se à forma que eu enxergava o mundo antes  e como o enxergo hoje.  É engraçado lembrar como eu e minha geração crescemos num mundo mágico e místico, cheio de mistérios, milagres, poderes e acontecimentos extraordinários, sempre sustentados por relatos de outrem e jamais experimentados  por este que vos escreve; porém tornados sólidos e embasados na mente fértil e ingênua de menino.
  Por exemplo, no mundo da minha infância, uma sandália Havaiana virada para o chão era capaz de matar nossas mães -um verdadeiro terror que nos fazia pular de onde estivéssemos para virá-la para cima. Manga com leite era uma combinação explosiva e banho de cabeça após o almoço poderia abreviar nossa aventura humana na Terra. Superstições eram tidas como verdades absolutas, sempre referendadas por algumas  tias ou outras pessoas mais velhas um tanto quanto supersticiosas.  Vivíamos na corda bamba  num mundo assombrado por demônios -como diria Carl Segan- cercados por inúmeras variáveis paranormais, que eram   capazes de afetar nosso mundo físico -de espelho quebrado a praga de velha doida.
  Cresci acreditando em fenômenos como premonição, telecinese e telepatia, assim  como ETs e espíritos que apareciam e se comunicavam com os terráqueos e  viventes.  Havia sempre um primo do sobrinho de um amiga que via almas ou a tia da vizinha de um conhecido  que previa os acontecimentos e adivinhava o futuro. Doenças eram supostamente curadas com rezas, mandingas, poder da mente, chás milagrosos e várias outras terapias alternativas esdrúxulas sempre passadas de boca em boca, fazendo-me acreditar que a parte invisível era a mais interessante da vida.
  Algumas  “verdades” eram tidas como certas e repetidas à exaustão -todas fruto de crendices e fantasias ingênuas ou não.  Mas, o fato é que aquele ambiente “mágico” tornava o mundo bem mais misterioso e , vá lá, interessante também.  Com isso, atribuíamos ao “mágico” uma série de acontecimentos -desde o  nosso time ser campeão à morte do nosso cachorrinho.
Na verdade, nossa mente fértil somado à pouca informação da época e mais uma dose de credulidade ingênua, levava-nos a acreditar numa ruma de superstições  e relatos fantasiosos. Assombrações, avistamentos, mistérios em lugares remotos foram aos poucos esmaecendo com a chegada implacável da tecnologia.  Pessoas com supostos poderes inatos, não resistiram à vigilância e registro onipresente das câmeras de segurança e celulares. Tudo e todos são quase sempre filmados e devidamente espalhados em milhões de compartilhamento de informações através de inúmeras plataformas tecnológicas, deixando pouca margem para aquele caboclo que movia objetos sem tocá-los e coisas do gênero, tão comuns nas matérias sensacionalistas do programa Fantástico.
  As lendas e mitos surgiram e perpetuaram-se graças a relatos de gerações a gerações até virarem verdades absolutas. No passado, muita gente acreditava mesmo em Saci e Curupira, em gnomos e elfos -a depender do local e cultura. Hoje essas pobres figuras mitológicas, sucumbiram ante o afã investigativo e racional dos humanos, munidos de celulares potentes em seus bolsos.
 Para mim, que usava o poder da mente para receber uma ligação tão esperada, para meu time ganhar nos pênaltis ou simplesmente  para os fatos da vida convergirem com os meus interesses, o mundo tornou-se cartesiano e aleatório demais. A lógica causal predomina as explicações do que antes era misterioso e, portanto, belo, deixando apenas a religião como um resquício indispensável e basilar da relação do homem com o místico ou com o divino.
Todavia, não desanimemo-nos pois, há beleza também num mundo onde um pênalti não seja influenciado pela cueca do torcedor. Vozes do além e outros avistamentos habitarão sempre o imaginário popular, embora cada vez menos.  A tecnologia, implacável em destruir mitos, lendas e outras crendices, nos oferece informações, possibilidades e conteúdos quase mágicos. Se hoje somos menos ingênuos e nossas crianças  adultizam-se precocemente, paciência -esse foi um efeito colateral não previsto com o aumento cada vez maior da tecnologia em nossas vidas.
Mas, creio que sempre haverá  espaço, ainda que cada vez mais exíguo , para um tantinho de magia e mistério em nossa vida – afinal somos ainda o mesmo ser humano de sempre, só que agora com bastante  tecnologia e informação dentro do nosso bolso.

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