A belíssima música “Os Argonautas” de Caetano Veloso traz em seu refrão um trecho bastante conhecido do grande poeta português Fernando Pessoa, que diz que “navegar é preciso, viver não é preciso”. Aqui abro um parêntese a título de informação para explicar que essa célebre frase não foi dita originalmente pelo lusitano — ela já...
A belíssima música “Os Argonautas” de Caetano Veloso traz em seu refrão um trecho bastante conhecido do grande poeta português Fernando Pessoa, que diz que “navegar é preciso, viver não é preciso”. Aqui abro um parêntese a título de informação para explicar que essa célebre frase não foi dita originalmente pelo lusitano — ela já aparece na obra Odisseia de Homero no século I ac, bem como é citada também pelo poeta italiano Petrarca no século XIV.
Bem, seja lá quem a tenha dito primeiro, o fato é que uma frase aparentemente simples e de fácil interpretação, até hoje é objeto de estudo quanto ao seu significado e intenção, provocando uma pequena e salutar discussão filosófica.
Pelo contexto do poema do ilustre poeta português, está claro que este refere-se à necessidade dos seus compatriotas lançarem-se ao mar, sobretudo pelo fato de Portugal estar espremido entre o continente europeu e o vasto Oceano Atlântico, sendo a navegação a única saída possível para sua expansão e desenvolvimento —sobretudo sob os conceitos e recursos da época. O “preciso” do texto então era um adjetivo que exprimia necessidade, a fim de ressaltar a importância vital dos portugueses lançarem-se ao mar, estando isso acima da própria existência.
Porém, certo dia alguém chega e afirma que a frase fora interpretada erroneamente e que “navegar é preciso, viver não é preciso” significa que viver não é algo tão preciso, no sentido de exatidão, quanto a ciência da navegação —o que de fato não é. Pronto, estava criada uma discussão filosófica e uma celeuma cultural sobre a verdadeira intenção e sentido da frase.
Eu particularmente prefiro juntar as duas hipóteses com o intuito de ampliar o conceito. Navegar é mesmo preciso —necessário e exato— mais do que a vida louca e imprevisível e muitas vezes sem um propósito. Lançar-se ao mar, aos desafios, às esperanças, ao incerto, às aventuras é que torna a vida valorosa —e quer saber? Ela ser imprecisa e inexata também. Ainda bem.