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Crônicas e Agudas por Walmar Brêda

Walmar Coelho Breda Junior é formado em odontologia pela Ufal, mas também é um observador atento do cotidiano. Em 2015 lançou o livro "Crônicas e Agudas" onde pôde registrar suas impressões sobre o mundo sob um olhar bem-humorado, sagaz e original. No blog do mesmo nome é possível conferir sua verve de escritor e sua visão interessante sobre o cotidiano.

Todas as postagens são de inteira responsabilidade do blogueiro.

Opa!

Opa!
Lembro-me quando estava na faculdade e começava a atender os primeiros pacientes, que havia uma certa ansiedade e insegurança durante o atendimento, pois tratava-se de uma responsabilidade enorme por interagirmos e intervirmos de maneira tão próxima com outro ser humano. A boca é uma parte do corpo que costumamos guardar certa reserva e algum temor , e nós estávamos ali, treinando como cuidar daquelas pessoas que corajosamente as escancaravam para nós, iniciantes. Começávamos naquele momento a manusear instrumentos perfuro-cortantes numa área extremamente sensível e delicada, onde todo cuidado era pouco -mucosas fininhas e altamente vascularizadas e inervadas, não combinavam com agulhas, brocas, fitas metálicas e outros instrumentos saídos do filme “Jogos Mortais”.
Então fomos orientados pelo professor, para caso houvesse algum tipo de acidente que machucasse o paciente -ainda que involuntariamente- como a ponta do explorador na pele do rosto, uma agulhada desajeitada no lábio do paciente, ou uma dolorosa “brocada” na gengiva, jamais deveríamos pedir desculpas -apenas seguiríamos como se nada tivesse acontecido, no máximo falando um singelo “opa!” e uma leve massagem local com o dedo indicador. O motivo? Não deveríamos jamais assumir nossa falibilidade pedindo desculpas por uma barbeiragem qualquer, mesmo que aquilo causasse dor e desconforto ao paciente.
Lembro que por muitos anos eventualmente soltava o meu “opa!” seguido da massagenzinha com o indicador -mas, “desculpa” que é bom, nada. Até que um dia, anos depois de formado, conversando com um professor meu de pós-graduação, relatei como fora orientado a proceder no caso de provocar uma furadinha involuntária no paciente. Ele bastante antenado que era, sobretudo nas novas técnicas de gestão e marketing profissional, me falou que isso já não cabia mais hoje em dia. O profissional tinha que ser o mais honesto e transparente possível com seu paciente, e isso com certeza passava pelo reconhecimento da “ratada” e o obrigatório pedido de desculpas -nada muito exagerado e longo, mas um discreto e necessário “desculpa”. Eu então a partir dali, comecei a agir dessa forma nas cada vez menos frequentes escapadas dos pontiagudos instrumentais. Substituí o impessoal “opa!” pelo mais humilde e humano “desculpa”.
Sabemos que erros continuaremos a cometer ao longo de toda a vida; afinal é uma condição inerente do ser humano -embora o bom senso exija que a frequência deles diminua com o passar dos anos. Aprendi com a maturidade pessoal e profissional, que o que faz a diferença é a maneira como agimos após cometê-los. Quando dizemos “opa!” somos oblíquos, levemente arrogantes e até covardes. Quando olhamos nos olhos e dizemos “desculpa”, estamos sendo humildes e solidários à dor provocada -e por que não?
Eu que passei tanto tempo passando o dedo no local e fingindo que não tinha acontecido nada, mesmo vendo o paciente contrair-se na cadeira enquanto fazia uma careta, descobri que reconhecer o erro nos torna maiores e melhores. Agora percebo que não fazia àquela época o mais elementar: colocar-me no lugar do paciente que amedrontado na cadeira ainda levava uma dolorosa pregada na bochecha. O que ele pensava afinal quando o seu dentista após cometer a leve barbeiragem soltava um esquivo “opa!” seguido de uma ineficaz massagem digital? Como nunca pensei nisso?
Bem, agora peço desculpas sempre e sem medo de qualquer julgamento de valor. Seja para mucosas perfuradas ou corações feridos, a lógica é a mesma: somos todos falíveis e nosso corpo é frágil ante cortantes instrumentais, gestos cruéis e até duras e contundentes palavras.

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