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Luis Vilar

Todas as postagens são de inteira responsabilidade do blogueiro.

Os anjos não se defendem!

Hoje é dia 4 de abril. Faço questão de marcar esta data porque faz três anos que sou uma outra pessoa. Não é mera coincidência o fato de minha filha fazer três anos também no dia de hoje. O processo de transformação se deve a ela. É a luta para deixar o mundo um pouco mais justo para que a caminhada seja mais fácil para Beatriz. Faz parte do meu dever. É minha tarefa. Minhas ferramentas nesta batalha pela ética: a palavra e as atitudes.

Parecem ferramentas ultrapassadas nesta modernidade, onde a honestidade é substituída pela inteligência em nome do mal. Ferramentas tidas como fracas neste mundo sem sentido aparente, que faz com que os “mais espertos” zombem da nossa luta diária pela sobrevivência. Estamos na selva. Mas não podemos desistir. Se eles acham que eu só tenho palavras e não posso competir com seus rifles, suas maldades e atrocidades, eu digo a eles que posso.

Esta semana – em sala de aula – conversando com um dos meus alunos, ele me indagou: “professor, como é que o senhor faz para continuar falando de filosofia, caráter e ética, se ninguém presta atenção?”. Eu devolvi a pergunta: “Você prestou atenção?”. Ele me disse: “Sim”. Eis a resposta que queria ouvir. Passei a chama das palavras e das atitudes adiante, assim como quero repassá-las a Beatriz. Aquele jovem que me interpelou na saída do cursinho, certamente passará esta chama para mais alguém. Joguemos sementes sem nos importar com a qualidade do terreno. Se é fértil ou não… Se vai brotar, nascer, gerar… É coisa que não podemos prever!

Não sei qual será o futuro de minha filha. Mas sei da responsabilidade que tenho para que ele não seja a época de um planeta doente, sem atrativo aos que ainda enxergam com alma. Acho lindo o fato de minha pequena Beatriz se encantar tanto com os livros sem aprender a ler. Ela me olha e diz: “pai, estou lendo. Trabalhando. Como você!”. É meu orgulho. É meu sentido. Sei que neste momento valeu a pena! O odor da corrupção, da burrice generalizada, da falta de sensibilidade, da “impoesia” (palavra que criei para a ausência da beleza), ficou do lado de fora da porta em que moramos. Entendo a famosa frase: “Lá em casa tem um poço e a água é muito limpa”.

No dia do aniversário de minha filha fiz questão de almoçar com ela. É que raramente – dia de semana – tenho tempo de comer em casa ao meio-dia. Tenho que sair de um trabalho para o outro, e para o outro, e para o outro. Hoje gritei dentro do meu silêncio: “que me demitam, posso conseguir tudo de novo, mas não posso ter de novo os dias que passam a minha volta sem que eu os perceba a fundo. E hoje é um dia muito importante para mim. Que me demitam por chegar atrasado então”! Fui para casa. Abracei minha filha na certeza de quem reafirma o compromisso de não deixar que a maldade se aproxime.

Os dias estão ficando estúpidos. O cotidiano está ficando inverossímil, surreal, e não mais estamos nos espantando, nos indignando, nos comovendo com ele. Sabem, no dia 4 de abril, fui obrigado – por força do compromisso com o jornalismo – a fazer uma matéria sobre um recém-nascido que foi morto e – em seguida jogado no lixo. Uma menina linda. Igual a pequena menina que segurei no braço há três anos e que me presenteou com outra vida.

Indagava-me como é possível aquela criança ali? No lixo? Como é possível uma criança ser jogada de um prédio e morrer? Mas, os anjos não voam; os anjos não se defendem. Eles não aprenderam a se defender. Meu pequeno anjo – com o qual me reencontro sempre que volto cansado de casa – confia tanto em mim que só eu posso defendê-la e lutar por ela. Minha filha é um anjo sendo moldado por este mundo que está aí…

Isto me assusta. Aumenta mais ainda minha responsabilidade. Tenho que tomar o lugar do mundo e ensinar a ela a consertar tudo que está errado também. Mas, ao falar em conserto, lembro que em mim algumas coisas também já andam meio quebradas, como a fé, a esperança. Como estas se abalam diante do que vi hoje. Estes anjos estão entregues a quem? A nós? Será que temos idéia de nossas responsabilidades? Eis aqui minhas palavras… Que sirvam de algo. Que externem a revolta…

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