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Os delitos de trânsito e o dolo eventual

Como regra geral, os delitos ocorridos no trânsito são aqueles tipificados no Código de Trânsito Brasileiro, como p. exemplo, o homicídio culposo provocado na direção de veículo automotor, a embriaguez ao volante, as lesões corporais culposas, etc…
No entanto, assistimos atualmente, em especial nos casos em que há maciça divulgação na mídia, a transformação do homicídio culposo na direção de veículo automotor em conduta dolosa, na modalidade de dolo eventual, com o propósito de atender o desejo de punição mais severa.
Mas o que seria então o dolo eventual?
O Código Penal Brasileiro, no seu artigo 18, diz que o crime é doloso quando o agente quer o resultado ou assume o risco de produzi-lo e é culposo quando o agente dá causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.
O dolo direto, portanto, está presente na conduta daquele que quer o resultado. Alguém que, deliberadamente, saca uma arma e efetua disparos contra outrem, com o propósito de lhe ceifar a vida, age com dolo direto. Por sua vez, se o agente, inobstante não queira o resultado, mas “assume o risco” de produzi-lo, caracterizado está o dolo eventual.
E o que significa assumir o risco para o direito penal?
Em verdade todos nós assumimos riscos todos os dias. Viver, por si só, já é um risco. Ao sair de casa há o risco de sofrermos um assalto, atropelar um pedestre, colidir com outro veículo, etc… É o risco normal, inerente à atividade humana.
Mas para a caracterização do dolo eventual, o assumir o risco significa algo mais. Assume o risco e age com dolo eventual aquele que prevê o resultado que a sua conduta pode causar, mas a ele é indiferente. É o dar de ombros para o resultado, ou em linguagem bem própria, tanto faz que o resultado aconteça ou não.
Imagine, então, que alguém dirigindo um veículo observa o pedestre atravessando a pista e tem consciência plena de que, se não diminuir a velocidade, pode causar o atropelamento. Mesmo assim, podendo reduzir a velocidade, o agente a mantém e atropela o pedestre causando-lhe a morte.
É evidente que, nessas circunstâncias, o agente atuou dolosamente, pois embora não quisesse diretamente o resultado, a ele foi indiferente, o que quer dizer que aceitou o resultado que poderia ter evitado.
Não basta, então, que o condutor do veículo preveja o resultado para que sua conduta seja dolosa, pois mesmo prevendo o resultado, se o agente confia sinceramente que ele não acontecerá, não há dolo eventual e sim culpa consciente.
No mesmo exemplo anterior, se o agente acreditasse sinceramente que com aquela velocidade não atropelaria o pedestre, estaríamos diante da culpa consciente, ou seja, o agente prevê o resultado, mas confia que não o causará.
É bem verdade que a distinção entre dolo eventual e culpa consciente, na prática, é bastante difícil, sendo importante a análise das circunstâncias que envolvem os fatos para aferir se a conduta é dolosa ou culposa. Restando dúvidas, não há outro caminho senão classificar a conduta como culposa, em homenagem ao princípio do in dubio pro reo.
Todavia, em face do elevado número de acidentes de trânsito com resultado morte, temos assistido a transformação de homicídios culposos em dolosos, em face de uma interpretação equivocada da expressão “assumir o risco”.
Movido pelo clamor social, muitas vezes o Estado tem tomado medidas mais severas visando diminuir os riscos à segurança pública, mas não é justa nem legítima a punição exasperada do indivíduo para acalmar a sociedade, uma vez que cada um deve ser punido, na medida da sua culpabilidade.
Não se pode comparar a conduta de quem deliberadamente saca uma arma para matar alguém com a de quem causa a morte de outrem, por imprudência, negligência ou imperícia, sendo oportuno destacar que por maior que seja o grau de culpa que se possa atribuir ao condutor imprudente ela não se transforma em dolo.
Em suma, se por uma questão de política criminal se mostra relevante aplicar penas mais severas ao indivíduo que praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor, que se mude o Código de Trânsito Brasileiro, mas não se altere a natureza das coisas, pois dolo e culpa não se confundem.

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