Morei a minha infância e adolescência inteira numa casa de quintal enorme. Tinha muitos pés de frutas e muito espaço para correr livre e se esconder. O muro não era alto o suficiente e qualquer um podia pular. Nos fundos tinha uma cerca que qualquer um podia passar. Mas, mesmo assim, vivíamos seguros e dormíamos...
Morei a minha infância e adolescência inteira numa casa de quintal enorme. Tinha muitos pés de frutas e muito espaço para correr livre e se esconder. O muro não era alto o suficiente e qualquer um podia pular. Nos fundos tinha uma cerca que qualquer um podia passar. Mas, mesmo assim, vivíamos seguros e dormíamos sossegados – minha cidade e meu país à época eram tranquilos e mal conhecíamos alguém que já havia sido assaltado.
Lembro-me perfeitamente que mui raramente algum ladrão ousava entrar lá em casa, invadindo furtivamente esgueirando-se pelo quintal. Então eu, meus irmãos ou até mesmo minha mãe, quando o víamos – coitado – pegávamos qualquer coisa que estivesse à mão, fosse uma vassoura ou uma escova de cabelo e saíamos atrás do bandido gritando: “Ladrão! Pega ladrão! Corra ladrão safado!”- com um cachorrinho pequinês disparado na frente latindo.
Lembro-me muito bem as vezes que eu, sendo ainda menino ou adolescente, corri pelo quintal atrás tanto de crianças quanto de adultos que fugiam assustados. Sentia-me o máximo com tamanho poder; afinal, eu era o dono da casa expulsando o invasor. Estava fazendo o que me era de direito – a luta de classes era respeitada por ambos os lados como se houvesse um pacto velado.
Hoje enxergo que corria e gritava valente atrás dos “ladrões de galinha” mais ou menos como os cachorros de rua que latem e perseguem os carros tentando morder-lhes os pneus – se um dia um dos carros ou um dos ladrões parasse, eu não teria a menor ideia do que faria.
Há muito essa moradia de segurança precária já não mais existe. Cercas, alarmes e câmeras de segurança são os requisitos básicos para uma casa fora de condomínio. O tal pacto que havia entre as classes há muito se foi. O ladrão de hoje não corre de mulheres e meninos armados com uma escova de cabelo -eles entram, batem, roubam, quando não fazem coisa pior. Os pequenos ladrões cresceram e hoje são chamados de assaltantes. Andam armados e não veem mais perigo quando vistos por nós, donos da casa. Cachorros, gritos e cabos de vassoura já não os afugentam – o que houve, afinal?
O que houve é que um dia o carro parou e os cachorros não souberam o que fazer. Um dia um ladrão não correu e a dona de casa com a vassoura, seus filhos se esgoelando e os escandalosos pequineses e pinschers miniaturas, não souberam o que fazer. Aos poucos foram recuando, voltando para dentro de casa e trancaram-se para nunca mais sair. O ladrão viu o poder que tinha e tomou o quintal para si e finalmente a casa inteira.
Hoje somos tão assustados quanto os ladrões da minha época e eles mais valentes que meu pequinês, que corria atrás de bandidos e tentava morder calcanhares e pneus em movimento. Não seria a nossa vez de pararmos e encararmos para ver o que acontece?