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Crônicas e Agudas por Walmar Brêda

Walmar Coelho Breda Junior é formado em odontologia pela Ufal, mas também é um observador atento do cotidiano. Em 2015 lançou o livro "Crônicas e Agudas" onde pôde registrar suas impressões sobre o mundo sob um olhar bem-humorado, sagaz e original. No blog do mesmo nome é possível conferir sua verve de escritor e sua visão interessante sobre o cotidiano.

Todas as postagens são de inteira responsabilidade do blogueiro.

Pensamento

Imagine duas pessoas que vão de carro de Maceió para Recife  -uma viagem que leva em média menos de três horas.

Uma olha como estará o tempo no outro dia.
A outra  nem lembra que isso existe -simplesmente se  acorda e vai.
Uma levanta-se cedinho prevendo o engarrafamento da saída de Maceió e o da chegada no trânsito caótico de Recife.
A outra nem lembra que isso é importante -simplesmente se acorda e vai.
Uma não liga o rádio do carro para se concentrar na estrada , curvas, outros carros,  radares, placas, buracos,  quebra-molas e pedestres.  A outra nem lembra desses detalhes. Simplesmente se acorda e vai.  Aliás, vai com o som nas alturas, cantando junto e leve como uma pluma.
Uma enche-se de pensamentos, anseios, preocupações, problemas e soluções.
 A outra  não pensa em nada -apenas canta e aprecia a paisagem lá fora.
Uma viaja com o olho no relógio, no velocímetro, no marcador de combustível, no painel e nos ruídos do carro.
A outra  esquece relógio, velocímetro e até o próprio carro.  Pensa apenas no momento presente  enquanto observa tranquilamente as faixas que vão desaparecendo embaixo do seu automóvel.
Pois é, uma das coisas que venho tentando fazer a cada dia é deixar de ser o primeiro viajante -algo que sempre fui- para  tornar-me cada vez mais parecido com o segundo, e não apenas no trajeto  Maceió-Recife, mas na viagem da minha própria vida.
Não é fácil mudar um padrão de comportamento e esquecer que existem radares e velocímetros, mas certamente a intenção e tentativa   já me levará a uma viagem bem mais leve e agradável.
No centro de tudo está uma questão fundamental: não pensar demais. O pensamento certamente é o que nos diferencia dos outros animais. Foi ele quem nos levou a sermos quem somos e a partir dele conseguimos transformar sonhos, projetos e ideias em realidade.  Porém, está muito claro que o pensamento  também é uma grande fonte de angústias e inquietações.
Dentre os conselhos sobre bem-estar e felicidade, está sempre o “não pensar demais”. Sugere-se  que nos mantenhamos um pouco  à tona na superfície dos nossos pensamentos, sem mergulhar fundo na, muitas vezes dolorosa, consciência.
A sabedoria oriental há milhares de anos já propõe o “não pensar” ou apenas observar sem julgamento e envolvimento os próprios pensamentos na prática da meditação.
Somos bombardeados constantemente por pensamentos de passado e futuro que nos fustigam o tempo inteiro, então recomenda-se que devemos exercitar a arte de sublimar esse turbilhão e que simplesmente mantenhamos o foco no presente, no hoje, no agora.
  Imagine você e a pessoa que você ama numa noite agradável, num belíssimo lugar, cada um com uma taça de um delicioso vinho. Trata-se de uma experiência sensorial, onde as condições climáticas desta noite , a topografia  do local  e as técnicas empregadas na fabricação  do vinho são o que menos importa neste  momento. Deixa-se apenas as sensações e emoções tomarem as rédeas e nos proporcionar o prazer daquele instante vivido, sabiamente sem se  pensar muito.
  Mas, será que  isso pode ser interpretado como ser necessário parecer meio bobo para ser feliz? Bem, tudo depende do que se quer para si.  Acredito que haja momento para tudo, até para parecer meio bobo. Porém, a leveza e paz normalmente são percebidas e apreciadas cantarolando enquanto dirigimos com o vento no rosto e não prestando atenção nos velocímetros e radares da estrada.

 

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