Imagine duas pessoas que vão de carro de Maceió para Recife -uma viagem que leva em média menos de três horas. Uma olha como estará o tempo no outro dia. A outra nem lembra que isso existe -simplesmente se acorda e vai. Uma levanta-se cedinho prevendo o engarrafamento da saída de Maceió e o da...
Imagine duas pessoas que vão de carro de Maceió para Recife -uma viagem que leva em média menos de três horas.
Uma olha como estará o tempo no outro dia.
A outra nem lembra que isso existe -simplesmente se acorda e vai.
Uma levanta-se cedinho prevendo o engarrafamento da saída de Maceió e o da chegada no trânsito caótico de Recife.
A outra nem lembra que isso é importante -simplesmente se acorda e vai.
Uma não liga o rádio do carro para se concentrar na estrada , curvas, outros carros, radares, placas, buracos, quebra-molas e pedestres. A outra nem lembra desses detalhes. Simplesmente se acorda e vai. Aliás, vai com o som nas alturas, cantando junto e leve como uma pluma.
Uma enche-se de pensamentos, anseios, preocupações, problemas e soluções.
A outra não pensa em nada -apenas canta e aprecia a paisagem lá fora.
Uma viaja com o olho no relógio, no velocímetro, no marcador de combustível, no painel e nos ruídos do carro.
A outra esquece relógio, velocímetro e até o próprio carro. Pensa apenas no momento presente enquanto observa tranquilamente as faixas que vão desaparecendo embaixo do seu automóvel.
Pois é, uma das coisas que venho tentando fazer a cada dia é deixar de ser o primeiro viajante -algo que sempre fui- para tornar-me cada vez mais parecido com o segundo, e não apenas no trajeto Maceió-Recife, mas na viagem da minha própria vida.
Não é fácil mudar um padrão de comportamento e esquecer que existem radares e velocímetros, mas certamente a intenção e tentativa já me levará a uma viagem bem mais leve e agradável.
No centro de tudo está uma questão fundamental: não pensar demais. O pensamento certamente é o que nos diferencia dos outros animais. Foi ele quem nos levou a sermos quem somos e a partir dele conseguimos transformar sonhos, projetos e ideias em realidade. Porém, está muito claro que o pensamento também é uma grande fonte de angústias e inquietações.
Dentre os conselhos sobre bem-estar e felicidade, está sempre o “não pensar demais”. Sugere-se que nos mantenhamos um pouco à tona na superfície dos nossos pensamentos, sem mergulhar fundo na, muitas vezes dolorosa, consciência.
A sabedoria oriental há milhares de anos já propõe o “não pensar” ou apenas observar sem julgamento e envolvimento os próprios pensamentos na prática da meditação.
Somos bombardeados constantemente por pensamentos de passado e futuro que nos fustigam o tempo inteiro, então recomenda-se que devemos exercitar a arte de sublimar esse turbilhão e que simplesmente mantenhamos o foco no presente, no hoje, no agora.
Imagine você e a pessoa que você ama numa noite agradável, num belíssimo lugar, cada um com uma taça de um delicioso vinho. Trata-se de uma experiência sensorial, onde as condições climáticas desta noite , a topografia do local e as técnicas empregadas na fabricação do vinho são o que menos importa neste momento. Deixa-se apenas as sensações e emoções tomarem as rédeas e nos proporcionar o prazer daquele instante vivido, sabiamente sem se pensar muito.
Mas, será que isso pode ser interpretado como ser necessário parecer meio bobo para ser feliz? Bem, tudo depende do que se quer para si. Acredito que haja momento para tudo, até para parecer meio bobo. Porém, a leveza e paz normalmente são percebidas e apreciadas cantarolando enquanto dirigimos com o vento no rosto e não prestando atenção nos velocímetros e radares da estrada.