-Doutor, o dente de leite desse menino não vai cair? Explico à mãe que os dentes, assim como tudo na vida, tem o seu tempo e que uma vez constatando que não há nenhum tipo de alteração, devemos respeitar o momento e deixar a natureza seguir o seu curso. Esclareci ainda que o dente permanente...
-Doutor, o dente de leite desse menino não vai cair?
Explico à mãe que os dentes, assim como tudo na vida, tem o seu tempo e que uma vez constatando que não há nenhum tipo de alteração, devemos respeitar o momento e deixar a natureza seguir o seu curso. Esclareci ainda que o dente permanente iria reabsorver a raiz do dente-de-leite a medida que fosse saindo, fazendo-o amolecer e cair, e que naquele instante, o mesmo estava no seu trajeto em direção ao meio externo, quando iria finalmente conhecer a mãe ansiosa do seu dono.
-Mas doutor, arrancá-lo não faz o outro descer mais rápido?
Ah, a ansiedade. Nossa pressa não é só inimiga da perfeição, muitas vezes ela é inimiga de nós mesmos, inclusive nos levando a atitudes estúpidas e inúteis. Então falei em tom de deboche:
-Não, minha senhora, assim como não adianta deitar uma gestante com 6 meses e pedi-la para abrir as pernas e fazer esforço para o bebê sair …
Devido à nossa pressa e ansiedade é comum fazermos algumas coisas inúteis como extrair o dente-de-leite precocemente ou forçar um parto prematuro. Um bom exemplo é quando apertamos insistentemente o botão do elevador, como se isso fosse capaz de acelerar sua chegada. Outro exemplo é quando amassamos impacientemente o pão ou a carne na grelha, para que os mesmos assem mais rapidamente. Nossa ansiedade anuvia nosso bom senso fazendo-nos esquecer que um elevador não anda mais rápido -muito menos seus passageiros- nem o calor aquecerá em menos tempo o bife ou o pão do sanduíche por estarem levando aperto.
-Mas doutor…
Interrompo a ansiosa mãe com bom humor e lhe faço uma pergunta:
-Qual o motivo da senhora querer que esse dente venha logo conhecer o mundo? Assim como o bebê no ventre, deixe o coitado no tempo que tiver de ser em seu útero dentário. O mundo é tão cheio de mazelas assim como a boca é cheia de bactérias e outras substâncias nocivas e lá dentro ele está protegido.
A mãe assentiu meio conformada, agradeceu e se despediu. Então fui levá-los na porta do consultório de onde acompanhei-os com os olhos até o corredor do prédio. Todavia, não fiquei surpreso e ri comigo mesmo ao vê-la em pé com o filho, previsivelmente apertando de forma insistente o botão do elevador.