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Crônicas e Agudas por Walmar Brêda

Walmar Coelho Breda Junior é formado em odontologia pela Ufal, mas também é um observador atento do cotidiano. Em 2015 lançou o livro "Crônicas e Agudas" onde pôde registrar suas impressões sobre o mundo sob um olhar bem-humorado, sagaz e original. No blog do mesmo nome é possível conferir sua verve de escritor e sua visão interessante sobre o cotidiano.

Todas as postagens são de inteira responsabilidade do blogueiro.

Pressa

-Doutor, o dente de leite desse menino não vai cair?

Explico à mãe que os dentes, assim como tudo na vida, tem o seu tempo  e que uma vez constatando que não há nenhum tipo de alteração, devemos  respeitar o momento e deixar a natureza seguir o seu curso. Esclareci ainda que o dente permanente iria reabsorver a raiz do dente-de-leite a medida que fosse saindo, fazendo-o amolecer e cair,  e que naquele instante, o mesmo estava no seu trajeto em direção ao meio externo, quando  iria finalmente conhecer a mãe ansiosa do seu dono.
-Mas doutor,  arrancá-lo não faz o outro descer mais rápido?
Ah, a ansiedade. Nossa pressa não é só inimiga da perfeição, muitas vezes ela é  inimiga de nós mesmos, inclusive nos levando a atitudes estúpidas e inúteis. Então falei em tom de deboche:
-Não, minha senhora, assim como não adianta deitar uma gestante com 6 meses e pedi-la para abrir as pernas e fazer esforço para o bebê sair …
   Devido à nossa pressa e ansiedade é comum fazermos algumas coisas inúteis como extrair o dente-de-leite precocemente ou  forçar um parto prematuro. Um bom exemplo é quando apertamos  insistentemente o botão do elevador, como se isso  fosse capaz de acelerar sua chegada. Outro exemplo é quando amassamos impacientemente o pão ou a carne na grelha, para que os mesmos assem mais rapidamente. Nossa ansiedade anuvia nosso bom senso fazendo-nos esquecer que um elevador não anda mais rápido -muito menos seus passageiros- nem o calor aquecerá em menos tempo o bife ou o pão do sanduíche por estarem levando aperto.
  -Mas doutor…
Interrompo a ansiosa mãe com bom humor e lhe faço uma pergunta:
-Qual o motivo da senhora querer que esse dente venha logo conhecer o mundo? Assim como o bebê no ventre, deixe o coitado no tempo que tiver de ser em seu útero dentário. O mundo é tão cheio de mazelas assim como a boca é cheia de bactérias e outras substâncias nocivas e lá dentro ele está protegido.
  A mãe assentiu meio conformada, agradeceu e se despediu. Então fui levá-los na porta do consultório de onde acompanhei-os com os olhos até o corredor do prédio.  Todavia, não fiquei surpreso e ri comigo mesmo ao vê-la em pé com o filho, previsivelmente apertando de forma insistente o botão do elevador.

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